Um rescaldo do que rolou no II Curta Velho Oeste, o cinema como uma poderosa ferramenta para forjar uma identidade cultural na região oeste do estado de São Paulo.
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II Curta Velho Oeste: Rescaldo
Não só o interior paulista, mas todos os interiores têm sua riqueza socioeconômica e sociocultural, tem sua voz, e parte dessa voz foi ouvida no Festival Curta Velho Oeste, o qual movido pela força do cinema vinda dos cantos, formando uma ponte que liga realizadores, produtores e a crítica dos interiores brasileiros e suas visões de mundo ocorreu entre 24 e 28 de outubro em Assis-SP.
Ilustração: Monique Brandão | Divulgação |
Essa realização da Oeste Cinema, em parceria com o Polo Audiovisual do Velho Oeste e a Oeste Cooperativa Audiovisual, não só aproximou, mas mostrou uma diversa gama de estilos e muitos diretores, dos filmes exibidos tivemos os mais diversos temas tratados, como baixa visão, aborto e depressão pós-parto, além de migração, agronegócio e ocupação territorial, tradições, amores e política também permearam as projeções. Veja a lista dos filme no Letterboxd.
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Neste texto destaco os filmes que me chamaram a atenção:
Sebastião Leme – filme com direção de Rodrigo Grota e traz depoimentos apaixonados sobre o artista e inventor, na década de cinquenta, da câmera fotográfica em 360°, o interessante nesse documentário é como ele monta de forma ágil a trajetória de Leme, conseguindo montar a imagem dele para quem o conhece ou não, um registro histórico necessário;
Carcinização – filme com direção de Denis Souza aborda de forma psicodélica aquele ponto da vida no qual temos de encarar as mudanças de nossas trajetórias ou quem somos, divertido e bem animado em alguns momentos me lembrou a série The Midnight Gospel, mas muito mais criativo e cativante;
Nem o Mar Tem Tanta Água – filme com direção de Mayara Valentim me ganhou na fotografia, belíssima, mas foi o ciclismo aparecer eu embarquei nele de fé. Entre as curvas do rio e a imensidão do mar o filme narra uma trajetória intensa e sensível, visualmente encantadora;
Morro do Cemitério - filme com direção de Rodrigo R. Meireles e com a atuação visceral de Wallace Fagner nos apresenta uma trama que embaraça ficção e realidade tratando sobre luto e melancolia com o peso do RAP para intensificar e não ofuscar os sentimentos;
Ainda Restarão Robôs nas Ruas do Interior Profundo - filme com direção Guilherme Xavier Ribeiro constrói uma trama calcada no real, um realismo sem pretensões machadianas, mas claramente se aproxima de elementos da obra de Machado de Assis. Um realismo cru, o qual não abre mão da fantasia, no caso aqui, o sci-fi. O ponto forte desse filme se dá na construção de um cotidiano vivo, sensível e bruto na representação visual daquilo que muitas vezes não lembramos: Zona Rural também é periferia. Com uma misancene construída a partir da câmera acompanhando de perto o protagonista a rodagem inteira, para montar um cenário de urgência culminando na sequência final onde ao mesclar a energia da trilha sonora com a cavalgada numa motociata, nos entrega uma catarse sincera e pura, claro, isso é, só para quem tem coração e não um caroço de abacate no peito.
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Dessa forma, assim como o Jacu é uma ave semeadora, o festival semeou em Assis e no seu público, ao longo de seus cinco dias de puro cinema, uma vontade de produzir e consumir audiovisual, encerrando com um sentimento, uma necessidade quase adicta de quero mais, espero conseguir acompanhar todas as suas edições futuras, pois um festival prestigiando o cinema brasileiro numa cidade onde não chega cinema brasileiro é importantíssimo, imprescindível.
Geralmente quem tá na periferia não tem voz ou, na maioria das vezes, o centro fala por eles, na abertura do evento Guilherme Xavier lamentou e colocou esse ponto, a representatividade do interior por vezes se dá pela capital e não por quem tá no interior, o festival Curta Velho Oeste conseguiu com maestria romper com isso, unindo os interiores e seus cantos, através das sessões e cada visão de mundo exibido, os cantos se aproximam e isso me fez lembrar uma cena da geometria, um lance curioso, a circunferência, uma linha curva, fechada, cujas extremidades são equidistantes de um ponto fixo, o centro; Nesta representação sempre imaginei a periferia na qual eu morava, distante do centro, maior. O interior são todos os municípios não integrantes das áreas metropolitanas nas capitais brasileiras, o interior é periferia e a periferia é sempre maior que o centro e sua voz deve ser ouvida, projetada por ela mesma.
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