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Emmanuelle — Sexualidade Como Arte e Prazer (Não Como Pecado) 🔞

 

Sinopse: Neste texto costuro Emmanuelle, Vladimir Lenin e arte japonesa tentando discutir a sexualidade como arte e prazer, não como pecado.

Emanuelle/Parafrance/Divulgação

Sexualidade Como Arte e Prazer (Não Como Pecado) — Emmanuelle

 

I.

            É incrível como nos lembramos dos anos noventa como uma década de pura loucura na televisão e no meio cultural, mesmo com o sistema de classificação indicativa sendo criado em 1990. Esse sistema projetou na TV a diretriz de cada faixa etária ter seu horário, desta forma impedindo jovens no Brasil inteiro de terem acesso a conteúdo inapropriado, ou, como diz o poeta, pornografia.
            Esse sistema impôs a cada emissora de televisão a criação de faixas de filmes para cada horário ou a mobilização das já existentes para um horário apropriado na programação. Mas, como sabemos, isso foi apenas para inglês ver. O sistema indicativo visava mover os conteúdos eróticos para tarde da noite, pois filmes de quaisquer outros gêneros de classificação alta continuavam a passar a qualquer momento.
Posso garantir que em algum momento do final da década do século passado até o final da primeira década do século XXI foram exibidos filmes ou programas de TV com classificação indicativa de 14, 16 e 18 anos em faixas destinadas ao conteúdo livre, 10 e 12 anos, exceto um tipo. Tomemos como exemplo a faixa da tarde, a qual toda emissora já exibiu ou exibe um filme. Nela, já vimos fitas contendo alguns dos seguintes temas:
  1. Supervalorização da beleza física ou do consumo;
  2. Lesão corporal, agressão física e verbal, descrição, apologia à violência ou ato violento contra animal ou humano e assédios em qualquer nível;
  3. Exposição ao perigo, sofrimento e crueldade, além de situações complexas, de forte impacto, constrangedoras ou degradantes;
  4. Estigma, preconceito e crime de ódio, coerção ou mutilação com finalidade de tortura, violência gratuita e banalização da violência;
  5. Consumo e insinuação do consumo, ou apenas descrição do consumo, produção, tráfico de droga lícita ou ilícita. Consumo irregular de medicamento;
  6. Exposição a sangue, cadáver ou morte intencional ou não, derivada de ato heroico, natural ou acidental com dor, violência ou eutanásia.
            Essas descrições de temas do menor ao maior grau são aquilo que contém nas descrições de cada classificação indicativa de 14, 16 e 18 anos. Para nossa sociedade é mais fácil expor a violência ao invés do amor, do sexo ou do erotismo. Durante anos, somente uma emissora de TV aberta se dedicou a exibir filmes com esse tema. E essa banalidade de temas sensíveis e supressão do sexo é uma herança do cristianismo predatório e punitivo, intrínseco a nós. Com efeito, a interdição moral é tão forte que atinge até mesmo países não cristãos, como o Japão.
 
            No Japão antigo existia um estilo de arte erótica chamada Shunga (春画, しゅんが). É uma categoria de Ukiyo-e (浮世絵, うきよえ) de pintura. O Ukiyo-e é um estilo de estampa tipicamente japonesa, que retratava os costumes do Período Edo (1603 – 1868). Tendo como base as pessoas comuns da cidade de Edo, a arte é inteiramente construída com um estilo de “xilogravuras”.
Um exemplo de Shunga A Planta De Adônis (福寿草, Fukujuso) de Hokusai Katsushika (葛飾北斎, 1760 – 1849).
            Os kanji que compõem a palavra Shunga (春画) são respectivamente primavera () e gravura (), algo como “Pintura Primaveril”. As “xilografias” do gênero não só abrangem a metáfora da estação das flores, com seu esplendor de cores e texturas veludosas de carnalidades voluptuosas, mas também, metonimicamente, as outras estações: o verão, com seu calor e pouca roupa, em que há a exuberância plena da carne; o outono, com tons pastéis e humores instáveis, e o inverno, com seus cobertores quentinhos. Para demonstrar, eu trago aqui algumas imagens do livro Contemplação das Quatro Estações do Amor de Imagem: Utagawa Kunisada (歌川 国貞, 1786 – 1865).

Primavera
Verão





Inverno
Outono

            Para construir a linha do tempo, foi no Período Heian em que as Osokuzu (偃息図, おそくず— pinturas vindas da China, as quais registravam geralmente um casal — são introduzidas no Japão. Logo em seguida, podemos dizer que elas dão origem ao Shunga.
Dentro dos poucos mais de duzentos anos do período Edo, houve a popularização da produção e consumo do Shunga, como reflexo da estabilidade, valorização do momento e do viver a vida com plenitude. Entretanto, nem tudo são flores, ou sakuras, pois neste meandro houve também algumas reformas. A primeira delas foi a Reforma Kyoho, proibindo o Shunga. Isso surge como parte dum conjunto de políticas econômicas desenvolvidas pelo oitavo shogun Yoshimune Tokugawa (徳川吉宗, Yoshimune Tokugawa) no intuito de fortalecer o xogunato financeiramente e politicamente, formando alianças comerciais com os estrangeiros e permitindo assim maior controle e tributação. O ponto interessante aqui é que houve a proibição de livros ocidentais também, exceto os de cristianismo, reforçando seu caráter predatório.
            O Shunga não parou de ser disseminado, todavia, pois eram vendidos na ilegalidade e sem nenhum tipo de assinatura autoral. Os japoneses continuaram a consumir aquilo que era deles, e isso só reforça que o problema está em quem vê, e não naquilo mostrado. A interdição enraizada nos europeus alcançou os japoneses. O Shunga estampava as casas, e, na tentativa de comércio com os europeus, essas obras de arte foram recolhidas ao particular para não escandalizarem a masculinidade e a fé, ambas frágeis, dos europeus.
 
            Agora, voltando aos anos noventa, essa interdição moralista criou uma das faixas de cinema na TV aberta mais populares. A sessão era conhecida como Cine Band Privé ou Cine Privé para os íntimos. A faixa de filmes exibida pela Rede Bandeirantes de Televisão nas madrugadas de sábado para domingo contava com uma vasta curadoria de filmes, indo da comédia, passando pelo sci-fi até cair no drama, mas, claro, sempre erótico. Filmes fortes e picantes, com enredos instigantes e de grande apelo popular, que, apesar de destinados ao público maior de dezoito anos, fizeram a cabeça de muitos, muitas e muites adolescentes por aí.
Isso fez a faixa ficar entre as cinco maiores audiências da emissora, a qual em algumas noites chegava a colocar o equivalente a seis Estádios Maracanã para ver “pornô” na madrugada. Numa época em que o acesso a produtos eróticos não era fácil, as reprises de filmes popularizaram franquias como Justine, The Click e a mais popular Emmanuelle (guarde esse nome, porque o retomarei depois). A sessão ficou no ar de 1995 até 2010 e, entre pequenos espasmos, voltou repaginada em 2019, até então em definitivo.
 
II.
            Não falamos sobre sexo, prazer ou alegria. Preferimos falar de sofrimento, culpa e violência — marca deixada pelo cristianismo predatório, o qual prefere dominar, punir e julgar do que amar. Marca essa que não ficou restrita ao período clássico da sociedade japonesa, pois até hoje o Shunga está restrito ao particular, embora não mais à ilegalidade.
A primeira exposição de arte Shunga num museu foi em 2013, no British Museum. Os japoneses compreendiam o “sexo” do ponto de vista do “riso”, diametralmente oposto ao pensamento ocidental que tem sido predominantemente como pecado ou indiscutível. A Pintura Riso ou Warai-e (笑い絵, わらいえ) é uma representação extremamente divertida das atividades sexuais, por exemplo, partindo dum caráter extremamente cru e direto. Quer dizer, os habitantes do Período Edo certamente consideravam mesmo o sexo como objeto de riso, ou seja, de prazer.
            Os Livros Impressos eram geralmente em três volumes, cada qual com doze ou mais imagens. Além da relação entre homens e mulheres, há algumas cenas homoafetivas e representações de grupos. Como swing e orgia. Assim como podemos constatar em Contos Homoeróticos de Samurais: Amor Entre Homens no Japão Antigo, de Ihara Saikaku (井原西鶴, 1642 1693), o amor entre homens no Japão antigo, não havendo um certo tipo de desmasculinização, era natural.
Outra coisa naturalizada, mas por aqui, na década de noventa, pelo menos, era assistir ao Cine Band Privé e a um dos filmes mais populares entre os cinéfilos de todas as idades: Emmanuelle.
Emmanuelle ou Emanuelle é uma série de filmes eróticos, tanto para cinema, quanto para televisão. Apesar da personagem aparecer no filme italiano Moi, Emmanuelle em 1969, foi em 1974 que a franquia se iniciou de fato, pois foi lançado Emmanuelle, baseado no romance homônimo autobiográfico de mesmo nome escrito por Marayat Bibidh, em 1959, sob seu pseudônimo Emmanuelle Arsan. A romancista tailandesa também atuou em outras áreas culturais no cinema, sendo seu principal trabalho como atriz ao lado de Steve McQueen no filme La Canonnière du Yang-Tse e lhe atribuída a direção e o roteiro do filme Laure.
           
            O filme segue Emmanuelle, uma jovem adulta casada com um diplomata mais velho buscando entender, com o incentivo do marido, os caminhos do erotismo e do prazer para se emancipar e explorando, na Tailândia, seus desejos com uma série de parceiros sexuais, homens e mulheres. Entre os temas do romance e os temas do filme temos o exotismo e a sensualidade construída a partir do Orientalismo. Apesar de sua origem, a autora pende pelo olhar eurocêntrico em sua obra, e isso é levado ao filme, contando com o drama do conflito do amor versus luxúria; a necessidade da protagonista em manter um amor e aprender sobre sua necessidade de satisfazer seus desejos. Apesar da personagem se descrever como lésbica, o trio do romance é orientado pela bissexualidade — novamente apenas para reforçar estereótipos na obra, o que não é levado ao filme.
            Entre os méritos dessa obra estão a trilha sonora, a fotografia e a edição dinâmica e de certa forma uma ironia para os atentos. Certamente há motivos para o filme ainda ser lembrado. Ele foi pensado a partir do erotismo socialmente aceito estabelecido no hoje problemático O Último Tango Em Paris, de Bernardo Bertolucci, já que o diretor Just Jaeckin cria um espaço onde a imaginação dos espectadores passeia entre o explícito e o sugerido.
Sylvia Kristel, intérprete da protagonista, assim como o diretor do filme, ficou estigmatizada devido ao grande sucesso da película. Já do restante do elenco, os que merecem um pouco de destaque são Alain Cuny, de Satyricon, de Federico Fellini, e Christine Boisson, de O Segredo de Charlie, de Jonathan Demme.
O roteiro por sua vez ficou a cargo de Jean-Louis Richard, indicado ao Oscar de melhor roteiro original em 1974 por seu roteiro de A Noite Americana, junto a François Truffaut e Suzanne Schiffman. Vale destacar que Jean-Louis trabalhou também em outra grande adaptação literária, Fahrenheit 451, e em outros filmes de Truffaut e Jean-Luc Godard. A marcante trilha sonora da obra ficou sob a responsabilidade de Pierre Bacharelete, e é tão notável que foi sampleada por Lily Allen no single “Littlest Things”.
O sucesso não foi só aqui no Cine Band Privé: Emmanuelle foi visto nos cinemas por quase nove milhões de espectadores na França e cento e cinquenta milhões em todo o mundo. Emmanuelle foi o filme francês de maior bilheteria da história. Hoje está entre os trinta, e foi exibido ininterruptamente por treze anos num cinema na Champs-Elysées, bem como em sua exibição final em oitenta e seis contou com a presença do então prefeito liberal de Paris e da própria Kristel.
Entretanto, o sucesso não mascara suas deficiências. Dos contrapontos que fazem o filme perder em qualidade podemos destacar os diálogos, muito bons graças ao texto original ter sido escrito por uma mulher, mas a visão masculina distorce aquilo dito. Outras das debilidades do longa vêm do olhar machista, ou do olhar dos homens, como um estupro logo no começo da rodagem e outro ao final que não levam a trama a lugar algum. Se observamos bem, a película possui uma série de problemáticas em relação à abordagem do seu próprio tema no roteiro enquanto o texto diz emancipar a personagem em tela. Em tela, porém, vemos a sua objetificação.
 
Este clássico voltará em uma nova adaptação com Noémie Merlant, de Tár, no papel principal, e a direção, buscando revitalizar a marca, fica à disposição de Audrey Diwan, de O Acontecimento. O roteiro fica nas mãos de Rebecca Zlotowski, de Os Filhos dos Outros, e, ao que parece, esta nova encarnação seguirá mais para o romance do que para estilo softcore que imortalizou a personagem.
Softcore — ou, como é mais conhecido por aqui, softporn — é um gênero cuja manifestação artística explora apenas nudez; cujo sexo é quase sugestionado. No cinema, as cenas contendo pênis, vaginas e penetração, além de seus derivados, são vetadas.
Apesar de jogarmos Emmanuelle para um lado mais obscuro da cinéfila, não podemos esquecer que o gênero erótico, o SoftPorn, tem suas referências no cinema estadunidense, também podendo ser representado por Instinto Selvagem e Showgirls, ambos de Paul Verhowen, diretor lembrado por filmes ação como Robocop. Também temos De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, memorizado por 2001: Uma Odisseia no Espaço. Vale ainda destacar Pecado Original, filme dirigido pelo ator Michael Ivan Cristofer e guardado pela sua dupla de protagonistas, Antonio Banderas e Angelina Jolie.
 
            III.
            Ao longo dos anos e dos filmes, a personagem-título foi interpretada por diversas atrizes diferentes, entretanto as mais lembradas são Sylvia Kristel e Krista Allen. Quanto esta última, apesar de popular, os seus filmes não têm nenhuma ligação com a personagem de Emmanuelle Arsan.
Krista Allen fez sucesso na série S.O.S Malibu e no filme O Mentiroso, e Sylvia Kristel apareceu no filme A Bomba Nua, baseado na série Agente 86 e foi ganhadora do prêmio de melhor curta-metragem por Topor et Moi de 2006, no Tribeca Film Festival.
De Emmanuelle e suas várias variantes, destaco Tóquio Emmanuelle (東京エマニエル夫人, toukyouemanierufujin). Lançado em 1975 no Japão, foi produzido por Nikkatsu Corporation, de Antes que Tudo Desapareça, dirigido por Akira Kato, de Transformers: Nova Geração, e estrelado por Kumi Taguchi, de Lobisomem Enfurecido. O filme segue a veia erótica de SoftPorn de sua contraparte francesa, e, analisando anacronicamente, o Shunga me parece um tanto SoftPorn — talvez, até um pouco mais explícito.
Mais uma vez falando a respeito do Shunga, vale pontuar sobre as representações. É importante saber que são pessoas comuns retratadas. Mesmo muitos artistas usando atores e gueixas como modelos, eles interpretavam pessoas comuns de diversas classes e idades. A família toda era representada, incluindo os animais, domésticos ou não. As genitálias são mostradas em grandes proporções e mesmo de forma desproporcional à figura representada, enquanto todas as outras proporções são respeitadas. Há também textos inseridos na arte indicando título, tema ou pequenas histórias e diálogos, como um proto-manga, lido da direta para esquerda de cima para baixo.
Dos autores de Shunga, destaco o já citado Hokusai Katsushika (葛飾北斎, 1760 – 1849), cuja obra mais famosa é Sob a Onda de Kanagawa (神奈川沖浪裏, kanagawaokinamiura), de 1830 (Imagem 1) e Kobayashi Eitaku (小林 永濯, 1843 1890), com seu Rolo Shunga manuscrito (肉筆旬が巻物, Nikuhitsu Shunga Makimono) contendo doze cenas eróticas (Imagem 2).

 
1
2
 

            A arte erótica não é um privilégio apenas dos japoneses do Período Edo. Hoje nós discutimos os mamilos expostos nas redes sociais, mas ninguém discute Arte Erótica de Pompeia e Herculano  (Imagem 3), descobertas por escavações arqueológicas no século XVIII e expostas no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. Nós esquecemos das imagens eróticas em manuscritos medievais como o Romance da Rosa, de Guillaume de Lorris e Jean de Meung  (Imagem 4), escritos entre 1230 e 1235. Há numa das páginas, no canto inferior esquerdo, uma freira colhendo pênis de uma árvore. E digo mais! A igreja Católica Apostólica Romana não fala da representação do prazer de Teresa dʼÁvila penetrada pela seta fálica de amor de Deus, esculpida por Gian Lorenzo Bernini, O Êxtase de Santa Teresa (Imagem 5) está localizada na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em Roma. Eu inclusive continuo, pois, pulando dali para a Rússia: preferem dizer que são mentiras os Móveis da Câmara dos Prazeres, de Catarina, A Grande, no palácio de Tsarskoye Selo (Imagem 6), ao invés de assumirem que ela trepava.
E se para você a Europa está muito longe, podemos vir aqui na América. Quase não conhecemos nossos povos originários, nem o Povo Mochica do Peru (Imagem 7). Eles viveram entre 300 A.E.C e 800 E.C no período pré-colombiano, e seus Guaco eram objetos de cerâmica cuja temática era o erotismo. E se mesmo assim não é o bastante, aqui no nosso quintal temos a homossexualidade nas pinturas rupestres (Imagem 8), encontradas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC), situados no Piauí, Brasil.

Pompeia e Herculano
3
5
Romance da Rosa
4
Pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara.
8
Móveis da Câmara dos Prazeres, de Catarina, A Grande.
6
Estatua homenagem ao Guaco do Povo Mochica.
7

Então, como podemos ver, a sexualidade é um ato ancestral. A arte caminha junto a ela desde o começo, e a visão negativa projetada ao sexo ou ao erótico está ligada mais à moral cristã predatória e punitiva ocidental, que se alastrou pelo mundo como praga, do que com a própria produção erótica.
 
O livro Emmanuelle, assim como o Shunga, foi proibido por um determinado tempo, pois ambos representavam o êxtase, o prazer e a descoberta. E castrar o povo interessa a quem? Nos é imposto que tudo o que envolve o prazer deve se restringir ao particular e isso é um problema endêmico, porque faz as pessoas negarem a discussão do sexo nas escolas, por exemplo, quando esse deveria fazer parte da grade escolar por se tratar de uma questão de saúde pública.
Quando nós abrimos mão dessa discussão o nosso prazer passa a existir sob o controle de terceiros. Não há problema com o erotismo. Na verdade, há um controle socioeconômico sobre o sexo vindo do estado, do capital e da religião. Eles ditam as regras a serem seguidas, censuram as artes, a sexualidade e até mesmo nosso gênero.           
            O sexo faz parte das lutas de classes.
       Pouco após a revolução Russa, em fevereiro de 1922 e provavelmente numa conversa com Anatoli Lunatcharski, bolchevique, dramaturgo e crítico literário, Lênin enfatizou a necessidade de “estabelecer uma proporção definida entre filmes de entretenimento e filmes científicos”. Ele concluiu que a produção cinematográfica  alcançaria a todos de forma democrática e acessível. A isto, acrescentou: 
            — Deve-se lembrar que de todas as artes a mais importante para nós é o cinema.
       Hoje nenhuma produção cinematográfica erótica pode receber financiamento público, bem como empresas de cunho artístico que o recebem não podem financiar este tipo de arte. Com essas produções lançadas à marginalidade, elas passam a ser financiadas por dinheiro privado e, se mapearmos o caminho da pornografia e da formação de sua indústria cinematográfica até hoje, nós veremos a desumanização dos corpos em atos sexuais irreais através de um pequeno recorte visual, assim construindo tanto a objetificação dos corpos quanto a desconexão das representações como são de fato.
O cotidiano difere da representação, isto é, de forma geral, se as obras não se apresentarem ao debate público, o debate público será dominado por iconoclastas, capitalistas sem amor ao qual o único prazer está na acumulação e dominação da classe trabalhadora. O poder privado lucrará com isso, numa aliança com o neoliberalismo, e continuará a ditar o que é aceito ou não.
De forma específica, é preciso desconstruir o que se consolidou como essa indústria predatória, feita de homens e para homens, em uma relação tóxica que machuca e deixa marcas, deixando claro que o conceito de consentimento não faz sentido dentro da dinâmica das relações de poder. O sexo faz parte da luta de classes, e o nosso particular não deve ser ditado por falsos moralismos que não nos pertencem. Nossa sexualidade deve ser vista como arte e prazer, e não como pecado.
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Veja como era produzido o Ukiyo-e:

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Bibliografia usada neste texto:
 >  ABREU, Nuno C. O Olhar Pornô: a Representação do Obsceno no Cinema e no Vídeo. 2012.
 > ALLEN, Lucy. Romande La Rose. Reading Medieval Books.
 > Baffie, J. Boonwanno, T. Dictionnaire insolite de la Thaïlande. Cosmopole éditions, 2012. (ISBN 978-2-84630-084-1), Emmanuelle p. 52-53.
 > Bastié, Daniel. Emmanuelle Arsan - un prénom davantage qu'un visage-Ed. Lamiroy (ISBN 978-2-87595-609-5)
 > Bastié, Daniel. Emmanuelle Au Cinéma, Bruxelles, Editions Ménadès. 2023. (ISBN 978-2931135136)
 > BOWMAN, John Stewart. Columbia Chronologies of Asian History and Culture. Pág. 142; Titsingh, Issac. (1834). Annales des empereurs du Japon, pág. 416-417.
 > CORDARO, M. N. H. Cenas de Assalto Sexual. Um Estudo de Caso em Hokusai. Estudos Japoneses, n°28, 2008. 265-274.
 > CORDARO, M.N.H. As Estampas Xilográficas Shunga: Metonímias do Corpo Erótico. Estudos Japoneses, nº23, São Paulo, 2003, p.231-250.
 > DUMONS, O. Emmanuelle, Une Vie Érotique. Le Monde, 15/04/14.
 > HAYAKAWA, M. Peculiaridades das Pinturas Eróticas do Mundo Flutuante [Shunga Ukiyo-e]. Estudos Japoneses, nº26, São Paulo: CEJAP, 2006, p. 9-24.
> HAYAKAWA, Monta. Usos e Costumes Sexuais e a Cultura do Sexo do Período Edo nasPinturas Eróticas de Ukiyo-e. Estudos Japoneses, nº28, São Paulo: CEJAP, 2008. 
> HoraQueer #147. Santos, Alice. Retika, Rodrigo. Doutora Drag, 12/20. Podcast.
> Ilustradíssima. Band põe 6 Maracanãs para ver “pornô” na madrugada. Folha Online - 21/09/2006. 
 > KIYOMURA, Leila. A Estética Sexual Integra a Arte no Japão. JORNAL DA USP. 12/07/2017.
 > REDAÇÃO GALILEU. Pesquisadores Encontram Trecho de Romance Erótico da Idade Média. Revista Galileu, 10/10/19.
 > Redação. A Arte Erótica Do Japão Ganha Mostra No British Museum. BBC News Brasil, São Paulo, 02/10/13.
 > Redação. Gabinetto Segreto. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.
 > Site dedicado a Emmanuelle Arsan. Emmanuelle Arsan.
 > Tribeca FilmFestival 2006. IMDB, 2006.
 > VLADIMIR, Lênin. Diretrizes Sobre do Setor Cinematográfico. Publicado pela primeira vez em 1925 na revista Kino-Nedelya N° 04.

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