Por favor, Não Fale Brasileiro Aqui – Bacurau
CAFAGGI, Lu; CAFAGGI, Vitor, 2013, Turma da Mônica – Laços, p. 26. |
Pois bem, no excerto entendemos o que foi falado, então o objetivo da fala foi bem executado. Contudo porquê ao vermos pessoas falando de uma forma ou de outra vemos isso com forma errada, feia e ou inculta? A fala não é apenas um mecanismo usado para se comunicar, a língua nos dá um sentimento de pertencimento, e aqui chegamos ao ponto da união separatória, pois agora chegamos a Bacurau.
AVISO: Se for
ler, vai na paz!
O filme
se passa no Oeste de Pernambuco daqui a alguns anos, os moradores dum pequeno
povoado do sertão aos poucos percebem algo estranho e violento na sua região após
descobrirem que a comunidade não consta mais no mapa. Agora se organizam para identificar o perigo e criar coletivamente um
meio de defesa.
Bacurau é
um filme rico em detalhes, e um destes detalhes está em determinado momento do
filme onde nos apresentam ao conceito de “Brasil do Sul”, portanto podemos
deduzir que neste universo há ou houve uma separação do Brasil e isso quase não é nenhuma novidade pois desde a sua
fundação, não faltam movimentos separatistas em terras tupiniquins, hoje muitos
desses movimentos se utilizam da língua para defender seus ideais ignorantes e cheios de
preconceitos. Para elucidar melhor vamos do macro ao micro, veja, nós falamos português, por tanto estamos inseridos numa comunidade
lusofonia, por sua vez brasileiros no Brasil, contudo dependendo da região a
qual estamos, nós falamos diferente e dentro destas regiões há mais variações, o Brasil tem uma língua com varias formas
de ser falada, veja na imagem a baixo:
Apoiado
nos alicerces do realismo fantástico Bacurau é um filme rápido, claro e
construído sobre preocupações sociopolíticas brasileiras modernas para
apresentar um drama onde assim como a língua falada no Brasil é uma mistura, no
filme, uma mistura de muitos gêneros do cinema como o bang-bang (ou NORDESTERN), terror e gore, comédia, suspense e ficção científica; O filme é escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho e
Juliano Dornelles de Aquárius e Mens Sana in Corpore Sano respectivamente, os
dois também trabalharam juntos em um dos meus filmes preferidos da vida Recife
Frio. A produção é estrelada por
Sônia Braga de O Beijo da Mulher Aranha, Udo Kier de Fim dos Dias e Silvero Pereira de Serra Pelada, além de
Bárbara Colen de No Coração do Mundo.
A Trama do filme não é sobre linguagem ou preconceito linguístico, contudo isso se aplica no subtexto da trama, os forasteiros não falam a mesma língua dos bacurauenses, até mesmo os motoqueiros sendo brasileiros não se acham iguais aos nativos do sertão, muito menos acreditam falar a mesma língua. Por isso a defesa das pessoas na cidade só é possível por conta da organização da coletividade construída a partir de uma sensação de pertencimento através da língua, e essa ideia é muito bem apresentada no filme pois não seguimos um protagonista e sim várias pessoas deste coletivo, para elucidar melhor a ideia é o seguinte:
Cartaz por Chuck |
Assim como O Pagador de Promessas de Anselmo Duarte, Bacurau conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Além de ser selecionado para os principais e mais prestigiados festivais de cinema como Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, o Festival de Havana e o Festival de Nova York. A produção chega no patamar cult pincelando debates importantes sobre imperialismo, a opressão do povo e a pobreza, a escassez de água e estes problemas se tornam mais reais ainda num Brasil cujo cerne é racista, misógino e xenófobo, cheio de preconceito linguístico, não é difícil acreditar que o futuro de Bacurau pode ser o futuro de nosso Brasil, veja a questão acerca do livro Quarto de Despejo e dos dois volumes Casa de Alvenaria escrito pela genial Carolina Maria de Jesus, publicados pela Companhia das Letras, os dois volumes de Casa de Alvenaria foram republicados recentemente por um conselho editorial encabeçado pela professora Vera Eunice de Jesus, filha da autora onde traz o material de forma mais fidedigna e sem nenhuma adaptação ou corte do modo de escrita e de fala da autora. Pois na primeira publicação de suas obras ouve um apagamento de sua identidade enquanto, mulher preta, periférica e descendente de escravos. Esse tema foi abordado em matéria e no Podcast EXPRESSO ILUSTRADA da Folha de São Paulo. A filha da autora chama a forma de escrita da mãe de pretuguês termo cunhado pela pesquisadora Lélia Gonzalez, pois muitas vezes no livro a escritora escrevia como ela falava, com contrações das palavras no melhor estilo mineiro e toda sua essência fora perdida na edição do livro feita por Audálio Dantas. Bom, a questão aqui é até qual ponto essa edição do texto foi uma edição derivada de um preconceito linguístico? Bem, o editor e jornalista Audálio Dantas, por bem ou por mal, ao fazer as alterações buscou adaptar o abra ao mercado brasileiro, um mercado burguês e majoritariamente se acha “branco”.
Para deixar o paralelo traçado mais claro, em determinada cena de tensão da película quando o um determinado personagem para de falar inglês e passa a falar português, o antagonista do filme diz “Por favor, não fale brasileiro aqui” no filme isso é uma clara referência ao colonialismo, mas no nosso dia a dia quando alguém fala errado, comete erros linguísticos ou fala diferente da maioria nós corrigimos, porém se a pessoa se fez entender, qual foi de fato o erro? O objetivo dessa correção foi querer instruir ou preconceito linguístico? Acredito que ambos. Na realidade são duas faces de uma mesma moeda enferrujada, cunhada com o complexo de inferioridade e o sentimento de sermos até hoje uma colônia dependente de um país mais “civilizado”, é a mesma necessidade de alguns críticos, a pesar dos pesares, em dizer que Bacurau é fruto de um Tarantino brasileiro.
Pois bem,
para deixar claro a língua é algo volátil, uma massinha de modelar amorfa na mão
de uma criança criativa, construída a partir da transformação da sociedade como
um todo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência da mesma
exija desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover uma língua
única e uniforme é hipócrita e cínica apenas para propor uma segregação
intolerante e ignóbil, como vemos em Bacurau. Aliás Bacurau não é uma obra-prima apenas por tocar Night de John Carpenter ou por tocar Gal Costa,
Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré, não é
obra-prima por replicar a introdução de Mad Max, ou as transições de Star Wars
e o foco de Brian De Palma, além dos zoom-in do cinema italiano e uns close-ups
ala Bergman. A produção é uma obra-prima por mostrar um cangaço futurista,
corpos nus fora do padrão e o herói de ação não heteronormativo, é obra-prima por
sua violência de efeito catártico, por convidar o público a pensar, por ser
extraordinário, irreverente e um cinema de alta qualidade. Bacurau é uma
obra-prima ao representar um Brasil no futuro resistindo à barbárie fascista
que sempre esteve aí, Bacurau é obra-prima pois dá esperança para lutarmos no presente.
Sigamos falando a mesma língua.
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