Doutor Fantástico/Columbia Pictures/Divulgação
Guerra: Uma Disputa Fálica Para Ver Quem Tem o Maior Cacete - Doutor Fantástico
Quando a
Guerra na Ucrânia começou, tínhamos vinte e oito outros conflitos
ativos no mundo, mas qual o motivo dos eventos na Ucrânia tomarem todas as atenções, enquanto os outros não são citados nos jornais? Além
da resposta óbvia
envolvendo o interesse do Capital, a Guerra da Ucrânia se passa na
Europa, despertando assim antigos espectros que a rondam. E sobre
estes fantasmas sociólogos, filósofos e historiadores, analistas
financeiros, psicanalistas e jornalistas destrincham o tema tentando
trazer explicações para os fatos, quando a resposta é bem simples:
A
GUERRA É FÁLICA.
E quanto
maior, melhor.
O
Falocentrismo guia nossa sociedade e a Guerra
é a única língua que ela entende,
nutrindo assim o nosso desejo antiguerra, António Araújo, um grande
crítico de cinema (segundotake.com), disse certa
vez que de qualquer modo, todos os BONS filmes de guerra são filmes
antiguerra, como Nascido Para Matar, um exemplo de desumanização
dos soldados na preparação para a guerra numa exibição
fálica de submissão, entretanto, acredito eu, ser Doutor Fantástico uma melhor
expressão do desejo antiguerra, filme onde um general do exército
põem a culpa da sua impotência sexual num complô comunista de
dominação mundial, assim ele ordena o bombardeamento da URSS, ao
mesmo tempo, o presidente dos EUA e seus assessores do Pentágono
tentam desesperadamente impedir o acionamento da máquina do juízo
final.
Doutor
Fantástico traz uma livre adaptação de Red Alert, romance sobre a guerra nuclear de Peter Bryant (pseudônimo de Peter
George), o filme difere do romance por seu humor
negro e pelo seu tom de farsa, evidenciando o seu discurso antiguerra. A
Farsa é um gênero teatral onde através de personagens cômicos se
satiriza situações, surgiu na Grécia e se espalhou pela Europa por
volta do século XIV. Em Doutor Fantástico vemos uma farsa política
muito real, mostrando o relacionamento erótico entre homens e a
guerra, o estranho amor do título original.
O filme é
dirigido por Stanley Kubrick de O Iluminado, aqui sagaz,
irônico e profundamente raivoso. O roteiro é escrito pelo próprio diretor
com Terry Southern de Sem Destino e no elenco podemos destacar
o
genial Peter Sellers de Muito Além do Jardim, George C. Scott de
Doze Homens e Uma Sentença e Slim Pickens, de A Face Oculta, além
de Sterling Hayden, o McCluskey de O Poderoso Chefão, James Earl
Jones de O Rei Leão e Star Wars em sua estreia no cinema e Tracy
Reed de Um Tiro no Escuro.
Para tentar
analisar a guerra podemos trazer a psicanálise e explicar a guerra a
partir do homem, em “Além do Princípio do Prazer” Sigmund Freud
trata a oposição entre amor e ódio, atração e repulsão,
preservação e destruição e pulsões de vida e de morte como preceitos
que atravessam o conceito de guerra, pois se a luta armada não for a
última opção de um levante popular contra a opressão em busca de
uma transformação social e cultural rápida e profunda, ela é
apenas um embate de egos, uma disputa fálica para ver quem tem um
maior cacete, e em 63 a Guerra Fria esquentou as duas potências
antagonistas, elas estavam como crianças se encarando numa disputa de quem pisca
primeiro onde ao final o perdedor iniciaria o holocausto nuclear.
Já em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud apresenta como símbolos
masculinos as armas e o pênis sinônimos de poder nas culturas que
valorizam a força física, os símbolos fálicos perfuram, penetram e dominam, e, no filme
de Kubrick não é diferente, se apropriando disso ele nos apresenta um mundo de homens onde eles não deixam
espaços para mulheres e se encantam pela destruição em massa. Da
cena inicial com um Boeing KC-135 Stratotanker transferindo seus
preciosos fluidos para um B-52 Stratofortress, passando por pistolas,
charutos e até ogivas nucleares, tudo evoca piadas sexuais, ereções
e outros elementos de virilidade que se destacam no preto e branco da
película.
Cartaz por Chuck |
A figura de
Strangelove (no Brasil Doutor Fantástico) se baseia em Wernher Von
Braun e em mais 1600 cientistas, engenheiros e técnicos levados da
Alemanha nazista para os Estados Unidos em empregos no governo após
o fim da Segunda Guerra Mundial. A Operação Paperclip foi um
programa “secreto” de inteligência dos Estados Unidos que todo
mundo tinha conhecimento. E a figura de Strangelove é a mais irônica
possível, pois
as pessoas que temem os comunistas são aquelas que estão se
atreladas aos nazistas, estes que iniciaram a Segunda
Guerra Mundial e foram derrotados pela própria União Soviética. Kubrick e Sellers satirizam a paranoia
da guerra, os estadunidenses são os primeiros a atirar, depois
atiram entre si e uns nos outros e, por fim, eles mesmos explodem a
bomba, isso não é spoiler, o homem é autodestrutivo dentro da
lógica capitalista.
E ainda
falando da figura central do filme, tenho que destacar o braço
mecânico de Strangelove e sua vontade própria, onde sempre se
exalta quando a conversa gira em torno de massacres ou eugenia, a
dificuldade de controlar o próprio braço se apresenta como uma
ereção involuntária onde diante da eminente destruição do mundo salta
numa saudação nazista apresentando uma ejaculação num grito
orgástico “MEIN FÜHRER” de Strangelove, nesse momento Peter Sellers é tão comicamente genial com a mão mecânica se descontrolando e tentando esganá-lo que Peter Bull, o embaixador soviético, pode ser visto tentando
inutilmente
esconder seu riso.
A comédia
tem um poder incrível e sabendo do poder de sua piada, Kubrick
pensou em terminar o filme com uma guerra de comida, mas trocou por
ogivas nucleares para ninguém pensar que os idiotas no poder
fossem inofensivos, e de idiotas no poder nós entendemos bem, eles
são tudo, menos inofensivos.
E desta
forma concluímos, Freud acreditava que a medida em que a
civilização fosse evoluindo, seus instintos destrutivos estariam controlados:
“Os civilizados são pacifistas e repudiam a guerra intelectual, emocional e constitucionalmente” Freud, Sigmund. 1933.
A sociedade
só chegará a isso no comunismo, onde a política sociocultural e
econômica pretende estabelecer uma sociedade igualitária com
emancipação humana onde temos a superação de toda e qualquer
intermediação para o indivíduo
se realizar enquanto ser humano com a superação do capitalismo,
abolição da propriedade privada, das classes sociais e do próprio
Estado, contudo ainda hoje, de um lado, temos a OTAN se esgueirando
sob países beirando as fronteiras Russa, com intenção de ganhar e
criar bases militares e do outro lado, o bloco da Ásia, tomando o
protagonismo ocidental, aqui sem juízo de valor, mas, na figura de
Putin, Xi Jinping e, porque não, Kim Jong-un. Existe instalado no
cenário global uma disputa fálica ocidente e o oriente, numa
verdadeira necessidade de estar sempre com seus fuzis e mísseis, a
cada dia, mais eretos do que nunca, o que faz, em retrospecto, Doutor
Estranho de Stanley Kubrick parecer ainda mais brilhante, sombrio e
terrivelmente correto sobre os perigos da guerra...
***
Bibliografia:
Schlosser, Eric. Quase Tudo em “Dr. Fantástico” Era Verdade. The New Yorker, 2014.
Bryant, Peter. Red Alert: The Novel that Inspired Dr. Strangelove, or, How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (English Edition). RosettaBooks, 2011.
Inside the Making of Dr. Strangelove. Dir. David Naylor. 2000 documentário incluído na edição especial de 40 anos do DVD do filme.
Freud, Sigmund. A Interpretação dos sonhos: Parte I e II. Editora Lafonte; 1ª edição. 2014.
Freud, Sigmund. Além do princípio de prazer. L&PM Editores, 2016.
Bryant, Peter. Red Alert: The Novel that Inspired Dr. Strangelove, or, How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (English Edition). RosettaBooks, 2011.
Inside the Making of Dr. Strangelove. Dir. David Naylor. 2000 documentário incluído na edição especial de 40 anos do DVD do filme.
Freud, Sigmund. A Interpretação dos sonhos: Parte I e II. Editora Lafonte; 1ª edição. 2014.
Freud, Sigmund. Além do princípio de prazer. L&PM Editores, 2016.
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