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Duro de Matar Não é o Melhor Filme de Natal - A Filmografia de Shane Black

  

Falando sobre a filmografia de Shane Black eu não só provo que Duro de Matar não é o melhor filme de natal como provo que Homem de Ferro 3 é o melhor filme da Marvel.

Shane Black/Hussein Katz/Divulgação

Duro de Matar Não é o Melhor Filme de Natal (e Homem de Ferro 3 é o Melhor Filme da Marvel) — A Filmografia de Shane Black

            Muita gente diz: “Duro de Matar é o melhor filme de Natal de todos os tempos”. Ledo engano. Ledo, ledo, ledo… Existem inúmeros filmes de Natal por aí, tão bons quanto ou melhores que ele, contudo esse clássico não é o melhor filme de Natal de todos os tempos, e eu posso provar!
            Segundo qualquer discricionário, Natal é onde ocorreu o nascimento de alguém e/ou de algo, no entanto convencionou-se ligar a palavra a uma data vinte e cinco de dezembro. Natal é a data em que as religiões do mundo todo se unem para celebrar o nascimento do consumismo representado pela figura do Papai Noel. O Natal pode significar muitas coisas para muita gente, mas para mim significa uma época do ano cheia de filmes leves e divertidos com muitos tiros, explosões e ação. E se há uma pessoa a qual representa o espírito natalino, essa pessoa é Shane Black, um roteirista que se aventura na atuação e na direção. Ele começou a carreira em O Predador e ganhou notoriedade ao escrever Máquina Mortífera, seu primeiro filme natalino.
            O Dia de Natal é um festival religioso cristão promovido anualmente, e seus participantes celebram a paz, o amor e a vida com o sacrifício de animais. Oferecem animais mortos em memória do nascimento de um deus salvador, também morto há mais de dois mil anos. Esses animais são em sua maioria perus, frangos e os quase transgênicos chesters, fiestas e Supremes, mas também há quem preferirá suínos e bovinos e, para quem não é habituado com a alimentação característica do natal, um chester, fiesta e Supreme são marcas registradas referidas a um tipo de ave modificada, criada à base de hormônios. Esses pássaros são desenvolvidos com setenta por cento do peso constituído por peito e coxas, diferente dos quarenta e cinco de frangos normais.
Pois bem. Assim como o Natal tem sua alimentação característica, Shane Black tem um estilo de escrita característico repetido filme após filme. Veja o check list:
1.       Uma dupla (quase sempre inter-racial) se torna ou é amiga;
2.       Protagonista problemático;
3.       Diálogos rápidos, inteligentes e divertidos;
4.       Trama quase sempre criminosa, mas sempre investigativa;
5.       Piadas de situações, próximas das sitcoms;
6.       Sequestros;
7.       Alguém torturado;
8.       Se passar na época do Natal.
            A obsessão de Shane Black pelo Natal começou quando ele assistiu Três Dias do Condor, de Sydney Pollack, em que o Natal como plano de fundo adiciona um contraponto estranho e assustador à trama de espionagem, assim como Shane vem fazendo em seus filmes. Para ele, o Natal representa uma pequena pausa no ritmo dos dias, um silêncio ao qual precisa ser preenchido, além de graficamente bonito, especialmente em lugares onde não é tão óbvio e você tem de garimpar para achá-lo.
Shane falou em entrevista que, em uma noite, na véspera de Natal, passou por uma lanchonete mexicana especializada em tacos e viu um cordão, cujo qual continha uma pequena estatueta da Virgem Maria quebrada, com lâmpadas. Um pequeno pedaço escondido de magia, e por todo o mundo existem pequenas fatias, pequenos ícones natalícios, que podem não ser tão eficazes em suas simbologias, mas são tão bonitas por si próprias quanto qualquer árvore de Natal de doze metros no gramado de uma casa branca.
Portanto, esqueça as adaptações de Um Conto de Natal, o clássico pé no saco Milagre na Rua 34, a dobradinha de Esqueceram de Mim e o já citado Duro de Matar, pois são basicamente o mesmo filme! Afinal, uma pessoa enfrenta um grupo de bandidos com armadilhas e piadas natalinas. Até a escrita deste artigo, sete dos onze longas escritos por Shane Black se passam durante ou próximo ao Natal. Com o sucesso de seu primeiro roteiro, Black atuou principalmente como um Script Doctor basicamente um roteirista contratado para identificar problemas, erros narrativos e sugerir ajustes pontuais para um determinado roteiro. Black foi “doctor” de O Predador (1987), Caçada ao Outubro Vermelho e Robocop 3.

Máquina Mortífera/Warner Bros./Divulgação

            Aos vinte e três anos, Black escreveu Máquina Mortífera. A Warner e o produtor Joel Silver de Matrix compraram o filme, mas, como qualquer outro roteiro escrito por alguém de vinte e poucos anos, este passou por reescrita, e o responsável foi Jeffrey Boam de Os Garotos Perdidos, deixando o tema natalino associado ao drama, à ação e à violência.
Dirigido por Richard Donner de 16 Quadras, o filme conta a história da parceria entre um policial veterano e familiar com um novato com tendências suicidas. Murtaugh e Riggs, interpretados por Danny Glover de Jogos Mortais e Mel Gibson de A Fuga das Galinhas, respectivamente, definiram o clichê dos filmes de Buddy Cop, um subgênero de ação envolvendo duas pessoas de personalidades conflitantes forçadas a trabalharem juntas para solucionar um crime e/ou às vezes aprender uma com a outra. Assim, o Natal é aqui usado para reforçar o abismo entre Murtaugh e sua família feliz e Riggs e sua depressão, assim como diz a canção:
            — Nem todo mundo é filho de papai Noel.
            Boas Festas foi escrita por Assis Valente, cantada por Carlos Galhardo e arranjada por Pixinguinha.
O Último Boy Scout - O Jogo da Vingança/Warner Bros./Divulgação

            De qualquer maneira, o segundo filme escrito por Black é considerado hoje um filme cult. O roteiro de O Último Boy Scout O Jogo da Vingança foi disputado por diferentes estúdios como se fosse um novo hit do roteirista, entretanto além de tê-lo reescrito mais vezes do que qualquer outro projeto em sua carreira, na sua estreia o crítico Roger Ebert escreveu que o filme parecia uma cópia de Máquina Mortífera feita por um estudante de cinema.
A fita conta a história de um investigador particular e um jogador de futebol se unindo para investigar o assassinato de uma stripper. Não é um dos mais criativos e divertidos, mas vale o play para se divertir com a falta de química entre Bruce Willis de O Quinto Elemento e Damon Wayans de À Prova de BalasHalle Berry de John Wick 3 dá um show para uma atriz em início de carreira.
            Por ter passado pelo processo de reescrita diversas vezes, muito do roteiro original de Black não chegou à versão final do filme dirigido por Tony Scott de Amor à Queima-Roupa. O próprio, em entrevista para Empire, falou sobre o roteiro de Shane Black ser melhor que o resultado final do filme.
            Este filme é a motivação para o até então roteirista que eventualmente atuava dirigisse seus próprios roteiros, mas antes ele precisou fazer algo…
O Último Grande Herói/Columbia Pictures/Divulgação

            Resumindo Zak Penn de Free Guy e Adam Leff de Uma Equipe de Honra, ambos com vinte e poucos anos escreveram um roteiro chamado “Extremely Violent”, satirizando os clichês bobos dos filmes de brucutus da década de oitenta. O roteiro era sobre um menino tentando superar a perda de seu pai assistindo a filmes extremamente violentos estrelados por uma estrela brutal. Então, um daqueles milagres de Natal acontece e o menino acaba “entrando” na tela do cinema e interagindo com seu herói favorito. A ideia é bem legal, mas um roteiro escrito por alguém de vinte e poucos anos precisa de revisão, e, para essa sátira/homenagem dos filmes assinados por caras como Shane Black, a Columbia chamou o próprio para reescrever o projeto cuja primeira alteração foi no título, renomeado para “Last Action Hero. No final, o texto foi tão modificado que Black foi creditado como roteirista e os jovens apenas como criadores da história.
            E logo Shane Black continuou sua saga de roteirista badalado quando, após O Último Grande Herói, o roteiro de Despertar de Um Pesadelo foi vendido por um valor absurdo, fazendo dele o roteirista mais bem pago da história…
Despertar de Um Pesadelo/New Line Cinema/Divulgação

            Inspirado pelo cinema francês, mais precisamente pelo filme La Femme Nikita, de Luc Besson, Shane Black escreveu The Long Kiss Goodnight Despertar de Um Pesadelo como um thriller de espionagem sobre uma dona de casa com amnésia. A produção foi encabeçada por Renny Harlin, de A Ilha da Garganta Cortada, e, como eu disse anteriormente, Shane tem um estilo característico e aqui temos mais uma vez o par de protagonistas inter-raciais: uma dona de casa com habilidades de assassina e um detetive particular à la Samuel L. Jackson para investigar o passado da protagonista numa narrativa de bela adormecida que precisa de um príncipe encantado.
Uma década se passou depois deste longo beijo de boa noite e Shane Black despertou de um pesadelo. Ele superou a depressão, o vício e saiu de seu hiato, agora finalmente dirigindo seus projetos para ter maior controle criativo e doses razoáveis de Natal. Então, ele faz sua entrada na direção com Beijos e Tiros.
Beijos e Tiros/Warner Bros./Divulgação

            Aqui, o roteirista e agora diretor atualiza sua forma de fazer cinema, deixando os brucutus de lado e entrando num cinema de heróis mais realistas, o que quase todo mundo fez na década de dois mil. Contrastando a atmosfera inofensiva do Natal com explosões de violência, o filme é uma comédia romântica neo-noir com algumas piadas das quais hoje podemos analisar serem de mal gosto. Black, porém, subverte o gênero e os clichês dos filmes de investigação como Máquina Mortífera. o há, aqui, uma dupla inter-racial. A dupla é composta por Val Kilmer em declínio de carreira (recomendo assistirem ao Documentário Val) assumindo o papel dum detetive homossexual, e, assim como Tarantino fez com John Travolta, Shane ressuscita a carreira de Robert Downey Jr., já que com esse filme convence Jon Favreau que ele poderia ser o Homem de Ferro.
            Mas antes de falar do melhor filme da Marvel dentro do Arco do Infinito (2008-2019), quero falar sobre Dois Caras Legais.
Dois Caras Legais/Warner Bros./Divulgação

            Esse filme poderia ser uma continuação ou prequela de Beijos e Tiros, haja vista que possui o mesmo estilo neo-noir, embora seja situado na década de setenta. Aqui, Black optou por deixar o feriado um pouco de lado e dar mais destaque ao ambiente dos anos sessenta. Não há muito o que falar deste filme: é divertido e tem o Russell Crowe!
Então vamos logo tirar o elefante da sala…
Homem de Ferro 3/Walt Disney Pictures/Divulgação

Se eu disser alcoolismo, abuso de drogas, festas, depressão e incerteza na carreira, você pode pensar em Tony Stark. Estou falando, porém, de Shane Black, que, do mesmo modo como Robert Downey Jr., recuperou seu estrelato e abandonou completamente as drogas, voltando a trabalhar e dedicando-se a alguns projetos natimortos até ser convidado para Homem de Ferro 3.
            Retribuindo o favor de Shane em Beijos e Tiros, Downey Jr. exigiu Black como diretor de Homem de Ferro 3. Neste momento Shane teve de redescobrir como fazer filmes de ação e, no percurso, acabou produzindo o melhor filme Marvel no Arco do Infinito (2008-2019isso é, de Homem de Ferro 1 até Vingadores: Ultimato).
A história em quadrinhos “Extremis” escrita por Warren Ellis de Red Aposentados e Perigosos e desenhada por Adi Granov foi o ponto de partida para a produção e, mesmo seguindo diretrizes rígidas, Shane Black foi um dos poucos cineastas a conseguir imprimir um toque autoral em sua passagem pelo estúdio. As produções da Marvel Studios são padronizadas e nem mesmos grandes cineastas como Joe Johnston, Kenneth Branagh e Taika Waititi conseguiram deixar suas marcas em seus respectivos filmes. Edgar Wright quase conseguiu (vemos muito dele no resultado final do seu projeto, finalizado por outro já que ele foi demitido).
            Homem de Ferro 3 é sem dúvida uma aventura padrão da Marvel, mas Black conseguiu adicionar elementos muito pessoais de seus roteiros anteriores. Lembra-se do check list do início do texto?
1.       Uma dupla (quase sempre inter-racial) se torna ou é amiga;
2.       Protagonista problemático;
3.       Diálogos rápidos, inteligentes e divertidos;
4.       Trama quase sempre criminosa, mas sempre investigativa;
5.       Piadas de situações, próximas das sitcoms;
6.       Sequestros;
7.       Alguém torturado;
8.      Se passar na época do Natal.
            Quase como uma versão PG-13 de Máquina Mortífera, Homem de Ferro 3 é até então o filme mais natalino de Shane Black. Para mim, o mais legal aqui é Stark ser privado de seu traje por boa parte do filme e precisar usar seu intelecto para sair das situações de conflito. Além, é claro, do plot twist envolvendo o vilão. Agrada-me muito a quebra de expectativa, apesar de acreditar que poderia ter sido outro personagem menor do panteão de personagens Marvel.
Outro ponto interessante é o milagre de natal neste filme. Stark finalmente aprende que o homem é mais importante que o ferro e passa a se dedicar a seus amigos, da mesma forma que faz o que qualquer pessoa normal teria feito na metade do primeiro filme: passa por uma cirurgia e remove o estilhaço e o reator nuclear de seu peito, iniciando um novo capítulo em sua vida.
 
*
 
Não sendo apenas estética na filmografia de Shane Black, o Natal é um elemento narrativo e seus roteiros tratam de personagens complexos, vendo seus problemas pessoais e sua solidão se destacarem ainda mais graças à noite feliz.
E você que chegou até aqui deve estar se perguntando o porquê de Duro de Matar não ser o melhor filme de Natal, né? Bem, durante anos eu pensei que Shane Black havia escrito Duro de Matar isso é quase um Efeito Mandela da sétima arte —, até descobrir que não. Black planejava usar o nome “Die Hard” para um filme ainda em desenvolvimento, mas o produtor Joel Silver, colaborador de longa data, pediu-o e Black deu o título para seu amigo, mudando assim o nome de seu roteiro para “The Last Boy Scout”. Além disso, o livro Nothing Lasts Forever, de Roderick Thorp, base de inspiração para Duro de Matar, não se passa no Natal. Silver notou como o cenário natalino funcionava bem em Máquina Mortífera e o introduziu em Duro de Matar.
Então, aí está o “seu filme de Natal favorito”:O MELHOR FILME DE NATAL” é apenas um filme de Natal porque Shane Black criou o conceito de filme de ação de Natal. Definitivamente, se tem um longa de Natal de ação merecedor desse título tem de ser algum de Shane Black. E, para mim, esse longa é Homem de Ferro 3.
Homem de Ferro 3 não é só o melhor filme Marvel, como também é um clássico de Natal. Por fim, a fita é diferente de todos os outros filmes pasteurizados. Homem de Ferro 3 é a história de um homem aprendendo a confrontar sua própria vida, seus próprios medos, seu próprio valor. É sobre perceber que o Homem de Ferro não o torna uma pessoa valiosa.
Shane Black nos mostra a magia do Natal não girando em torno de presentes, Papai Noel ou o nascimento de uma divindade. Ele mostra um natal sobre família, sobre dar uma pausa e rever seus rumos e sobre estar com quem se ama mesmo se isso te deixa gravemente ferido e tendo de beber um pouco mais.
Essas histórias de fantasia com uma dose saudável de magia e violência nos ensina que sempre há tempo de mudar.
Esse é o Natal segundo Shane Black.

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