Trilogia Pânico - Crianças Cristãs Precisam de Entretenimento Saudável
Do you like scary movies? ☏ 🔪💀
Sinopse: Misturando memórias pessoais, paixão pelo cinema e análise crítica, Chuck, revela como Wes Craven e Kevin Williamson reinventaram o terror com metalinguagem, sátira e suspense, transformando uma franquia em ícone cultural e entretenimento saudável para crianças cristãs.
Crianças Cristãs Precisam de Entretenimento Saudável - Trilogia Pânico
Dedico estas palavras à Profª. Inês Valéria Finatti,
obrigado pelos DVD’s gravados e bons diálogos em sala de aula.
O que eu mais gostava na escola era conversar sobre cinema, eu e meus amigos tínhamos até um cronograma: Segunda-feira falávamos sobre os filmes vistos no fim de semana, terça-feira sobre filme da noite anterior, e assim por diante. Na quarta o filme visto na terça e quinta eu, pelo menos, não falava nada pois quarta a noite era noite de futebol, mas mas a roda girava de novo e na sexta falávamos do filme visto quinta a noite e planejávamos as sessões da sexta e do fim de semana, era um ciclo muito bem definido pois crianças cristãs precisam de entretenimento saudável. E em algum momento durante esse ciclo conhecemos um filme que mudaria tudo, conhecemos Todo Mundo Em Pânico (2000)! Sim, você não leu errado, foi através dessa comédia que conhecemos Pânico. Na época, entendemos que o filme de Keenen Ivory Wayans satirizava algo que ainda era desconhecido para nós — um filme que, por sinal, não era considerado apropriado para nossa idade e religião.
Até aquele momento eu sabia da existência, mas nunca tinha realmente visto Pânico, a máscara de seu assassino com cara de fantasma estava no imaginário popular, seu design foi inspirado na pintura O Grito (1893), de Edvard Munch, e no pôster do filme The Wall (1982), do Pink Floyd. Originalmente criada para lojas de artigos de decoração de Halloween pela empresa Fun World, onde era vendida sob o nome “The Peanut-Eyed Ghost” (Fantasma Olho de Amendoim), a máscara era um produto com identidade própria antes de ser licenciada para o filme e se tornar um ícone do horror.
Foi então que decidi mergulhar naquela que era, até então, uma trilogia.
Pânico foi dirigido pelo mestre e ícone Was Craven (1939-2015) de O Monstro do Pantano (1982) e foi escrito por Kevin Williamson de Prova Final (1998), Craven dirigiu os três filmes da trilogia enquanto Williamson dos três não escreveu o terceiro, pois compromissos com outros projetos não o deixaram desenvolver o “último” capítulo da trilogia, porém ao leiloar seu roteiro pro primeiro filme, junto, Williamson, também vendeu esboços para duas sequências do roteiro original, mostrando o potencial de sua ideia se tornar uma franquia e caso não pudesse eventualmente escrever seu nome ainda estaria vinculado ao projeto, como aconteceu.
Dentro dessa rotina descrita por mim já falávamos com prazer e entusiasmos de filmes, mas quando nossos olhos foram voltados para Pânico, um novo mundo se abriu e se abriu, pois, a identificação com um grupo de jovens falando sobre cinema na sala de aula com o professor — no nosso caso, professora — parecia muito conosco E quando descobrimos as regras, conseguimos analisar os filmes de outra forma. Grande parte dessa identificação se deve à linguagem metalinguística da franquia: ágil, divertida e repleta de referências.
A metalinguagem utiliza seu próprio código para explicá-lo e no caso de Pânico, trata-se de uma metanarrativa que fala de um filme dentro de outro filme. Aliás, usamos metalinguagem o tempo todo, no dia a dia e em várias mídias. Na pintura, por exemplo, ela aparece em obras como Autorretrato com a Orelha Cortada (1889) de Vincent van Gogh, onde ao fundo, à direita do retratado, pode-se enxergar um quadro com japonesas à frente do Monte Fuji e a parte superior de um cavalete com uma tela em branco à esquerda pintura dentro de outra pintura.
Em Pânico (1996) iniciamos a história um ano após o assassinato da mãe de Sidney Prescot, momento no qual um grupo de jovens enfrentam um assassino em série que testa seus conhecimentos sobre filmes de terror. Aqui surge a metanarrativa, pois desta maneira o filme explica a motivação do assassino: Ele é um slasher simulando um filme de terror.
Slasher é o subgênero cinematográfico do terror satirizado por Craven em Pânico, o estilo é caracterizado por uma estrutura narrativa recorrente impulsionada por um antagonista, geralmente um assassino eliminando, eventualmente com armas brancas, metodicamente um grupo de personagens, em sua maioria jovens até culminar em um confronto final.
Randy Meeks personagem interpretado por Jamie Kennedy de Inimigo do Estado (1998) nos dá algumas regras para analisar um filme de slasher, e as regras são:
Regra 1: Se você fizer sexo vai morrer.
Regra 2: Usou drogas, não vai sobreviver.
Regra 3: Disse “Volto já”. você morre.
Regra 4: Todo mundo é suspeito.
Regra 5: Perguntou “Quem está aí? ”, já está morto.
Regra 6: Saiu para investigar um barulho estranho, então não vai voltar.
E quando aplicamos essas regras, elas realmente se encaixam em filmes como O Massacre da Serra Elétrica (1974), Sexta-feira 13 (1980), Halloween (1983) e além de outros o A Hora do Pesadelo (1994) do mesmo diretor de Pânico.
O elenco também ajudou a consolidar o sucesso: Neve Campbell (Jovens Bruxas, 1996), David Arquette (Malditas Aranhas!, 2002), Courteney Cox (Um Faz de Conta que Acontece, 2008), Matthew Lillard (Scooby-Doo, 2002) e Drew Barrymore (Donnie Darko, 2002). Carismático e versátil, o grupo transformou Pânico em um marco do terror. Mas o filme queria mais do que aterrorizar: ele buscava entreter. Subvertendo os clichês do gênero para criar sátira e suspense, o longa provoca não apenas medo, mas também curiosidade — afinal, em essência, trata-se de um whodunit1.
Assim como eu, meus amigos e nossa professora não parávamos de falar sobre cinema, também as regras não ficaram apenas no primeiro filme — nem a metalinguagem. No início da sequência, Pânico 2 (1997), a trama se coloca dois anos após o massacre em Woodsboro. Alguns sobreviventes tentam refazer suas vidas, mas logo, durante a estreia do filme baseado no incidente, inicia-se uma nova onda de assassinatos. Surge então um novo Ghostface que, dessa vez, testa seus conhecimentos sobre sequências de filmes. Mais uma vez, Randy nos brinda com suas observações, que o colocaram definitivamente no hall da fama da sétima arte:
Regra 1: Na sequência, o número de mortes é sempre maior.
Regra 2: As mortes são mais elaboradas, mais sangue e violência.
Regra 3: Sob nenhuma circunstância, assuma que o assassino está morto.
Essas regras se aplicam a inúmeras continuações, desde as já citadas até outras franquias. As novas regras somadas a um elenco com boa química, tornam o segundo filme ainda mais envolvente. Entre os destaques do elenco estão Sarah Michelle Gellar de Buffy, a Caça-Vampiros (1997) e Veronika Decide Morrer (2009), Laurie Metcalf de Despedida em Las Vegas (1995) e “a mãe do Sheldon” na série Big Bang, A Teoria (2007), Timothy Olyphant de Era Uma Vez em Hollywood (2019), Jerry O’Connell de Joe e as Baratas (1996) e “o irmão do Sheldon” também da série Bing Bang, Jada Pinkett de Até as Últimas Consequências (1996) e da Trilogia Matrix.
Nada na trama original sugeria uma continuação, mas o sucesso estrondoso e as ideias de Williamson para duas sequências garantiram não apenas Pânico 2, mas também sua consagração como fenômeno cultural. Bem-sucedido e elogiado, o filme consolidou Ghostface em verdadeiro ícone — não apenas do gênero, mas do cinema em geral. Quem nunca quis ter, ou ao menos viu alguém com uma máscara ou adesivo do personagem? Sua voz, aliás, ficou a cargo do ator de voz Roger L. Jackson de As Meninas Superpoderosas, O Filme (2002).
Sendo assim, o tempo passou: o ensino médio terminou, meu grupo de amigos se desfez, a professora se aposentou. E então chegamos ao capítulo final da trilogia.
Em Pânico 3 (2000), assassinatos levam Sidney a confrontar seu passado, Gale Weathers a rever seus métodos e Dewey Riley a lidar com feridas antigas. No set de mais um filme inspirado no massacre de Woodsboro, ao qual sobreviveram, um novo assassino em série surge, tentando encerrar a trilogia. O conceito parecia promissor, mas nem tudo são flores: como em Superman III (1983), Blade Trinity (2004) e Olha Quem Está Falando Agora! (1993), o risco de fracasso rondava o projeto. Acha que estou brincando, o próprio histórico dos “terceiros filmes” confirma: A Múmia: Tumba do Imperador Dragão (2008), Shrek Terceiro (2007) e Esqueceram de Mim 3 (1997, nem Scarlett Johansson salva esse) nos mostram como a terceira parte costuma ser a mais fraca.
E em Pânico 3 as regras também mudam:
Regra 1: O assassino deve ser sobre-humano. Nada vai pará-lo.
Regra 2: Todo mundo, até o personagem principal, pode morrer.
Regra 3: O passado voltará para assombrar e ele pode te destruir.
Regra 4: No terceiro filme de trilogias, tudo pode acontecer.
E se você ainda não acredita em mim, veja Busca Implacável 3 (2003), no terceiro filme a trama parte da morte de um personagem principal, a Regra 2 e a reviravolta final da trama remete a Regra 4. E seguindo o conceito da metanarrativa as regras se encaixam assim como os atores, alguns membros do elenco estiveram em grandes trilogias como Kevin Smith de Procura-se Amy (1997) , Jason Mewes de O Balconista (1994) e Carrie Fisher de Meus Vizinhos São Um Terror (1989), mas também temos o caso de Patrick Dempsey de Namorada de Aluguel (1987, e de Grey’s Anatomy) cujo o único terceiro filme de sua carreira é Pânico.
Sem Kevin Williamson, o terceiro capítulo sofreu com uma protagonista sem querer voltar para a saga e um roteiro meia boca mais parecendo uma comédia invés da tradicional sátira ao terror amada por todos nós, contudo ainda é bem legal, graças a direção de Was Craven, sem dúvida ele salvou o script de Ehren Kruger de A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017), ele ao assumir a cadeira de roteirista descartou muitas ideias deixadas pelo criador da franquia, o que não foi descartado foi a metalinguagem agora brincando com os bastidores de uma produção Hollywoodiana. Um parêntese metalinguístico e sombrio a trilogia foi produzida pela Miramax, companhia fundada pelos irmãos Weinstein. O enredo final envolve abusos de poder por parte de um magnata de Hollywood — o que, anos depois, se revelaria perturbadoramente próximo da realidade, com Harvey Weinstein condenado por crimes sexuais. Apesar de ele não ter tido envolvimento criativo direto na franquia (hoje produzida pela Paramount), esse detalhe merece ser citado.
Pois bem, muitos dão os créditos do sucesso de Pânico para Was Craven, eu acredito que para o bem ou para o mal o sucesso está na simbiose entre ele e Kevin Williamson ao som da música composta por Marco Beltrami de Os Indomáveis (2007), temos uma ótima direção adaptando um roteiro muito inteligente e ambíguo. Para analisá-la mais a fundo, podemos recorrer a Antoine Compagnon e seus conceitos de sincronia e diacronia, apresentados em Literatura, para quê?
A primeira observa a obra em seu tempo presente; a segunda, como o público da época a teria visto, onde o primeiro observa determinada obra como sendo contemporânea e o segundo observa determinada obra, ou pelo menos tenta observá-la como o público da época o veria. Os personagens de Pânico, ao comentar clássicos e se colocar “dentro” dos filmes que assistiram, fazem uma leitura diacrônica. Já o roteiro, ao subverter os clichês, atualiza o gênero — uma análise sincrônica. Assim, mesmo com altos e baixos, Pânico é uma obra-prima. Afinal, obras-primas não são apenas belas: elas carregam também defeitos, circunstâncias e contextos sociais de sua época.
Ultimamente temos grandes produções de marcas de sucesso pré-estabelecidas, vindas de outras mídias videogames, livros, brinquedos e principalmente o saturado universo de HQ’s, e de forma alguma isso é ruim, porém é muito prazeroso ver algo surgir inteiramente para o cinema de uma ideia original e se tornar uma obra tão icônica.
Pânico cresceu tanto que não coube em uma trilogia, expandindo-se em novos filmes e até séries de televisão. Mas, para concluir, vale sempre lembrar a regra número um de qualquer refilmagem:
— Não foda com o original!
Das continuações e desdobramentos falarei em outro momento. Afinal, crianças cristãs precisam de entretenimento saudável. Não se preocupe: volto já!
— Ah, não… a regra. Droga!
Whodunit é um subgênero narrativo de mistério cuja trama se estrutura em torno da investigação de um crime, cujo objetivo final é a descoberta da identidade do culpado. O termo, uma contração da expressão inglesa “Who has done it?” (Quem fez isso?), reflete a dinâmica central da história: um quebra-cabeça investigativo apresentado ao espectador, que é conduzido por meio de pistas, informações e reviravoltas, culminando na revelação do criminoso e de seus motivos.