Sinopse: Como a dor e a mudança estão interligadas, neste texto, Chuck destaca a atuação de Riz Ahmed, fazendo uma conexão filosófica entre Legião Urbana e Schopenhauer.
Toda Dor Vem do Desejo - O Som do Silêncio
Ninguém quer sentir dor, porém “tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor” e não, isso não é Legião Urbana, é Schopenhauer, um dos meus escritores favoritos. Pois bem, ninguém quer sentir dor, mas sentimos e, mesmo que tudo seja dor, ela geralmente vem envolta de uma mudança.
Mudar é fazer ou sofrer modificação, alterar(-se).
Dois mil e vinte foi um ano de mudança para todos nós, planos foram feitos, planos foram adiados e eu, por exemplo, também mudei de trabalho, de casa e de cidade e não foi fácil, foi bem doloroso e tudo isso foi na tentativa de não sentir dor. Enfim, falo isso pois recentemente eu assisti O Som do Silêncio.
No filme, acompanhamos um jovem músico se adaptando a uma nova condição: ele está perdendo a audição enquanto teme pelo seu futuro. Essa simples premissa é da história de Derek Cianfrance de O Lugar Onde Tudo Termina e Darius Marder de Loot, que também assina a direção do longa. A fita trata sobre mudança, e sobre como passar por transformações, aceitação e busca. Aqui vemos a jornada de um homem que não é apenas homem, é dinamite, assim como disse Nietzsche, um homem a ponto de explodir a qualquer momento. Este sujeito é interpretado de forma impecável por Riz Ahmed de O Abutre e também da ótima série The Night Of.
O elenco desta obra tem passagens por ótimas obras da televisão, aliás o filme é estrelado por Olivia Cooke de Jogador N°1 e também da encantadora Modern Love, temos também Lauren Ridloff de The Walking Dead e Eternos e por último e não menos importante gostaria de destacar Paul Raci um character actor veterano com uma carreira de participações em séries e filmes com atuações menores como em Dragão - A Historia de Bruce Lee e a série Parks And Recreation. Character actors geralmente são atores coadjuvantes e têm a tarefa de tornar os filmes mais interessantes ou chamativos por assim dizer, mas em O Som do Silêncio, Paul rouba a cena, numa atuação primorosa em seu último diálogo com o personagem de Riz, podemos sentir o desconforto de Joe, interpretado por Paul, em relação a uma dura decisão que está sendo difícil de ser tomada. Aliás, é um filme duro, pesado e potente, mas, parafraseando o poeta: duro sem perder a sua ternura jamais!
Cartaz por Chuck |
E aceitar as mudanças pode ser duro e nossa maior dificuldade ao tomar uma decisão, talvez por nos acomodarmos, ou por viciarmos na dopamina vinda junto de nossa zona de conforto, assim como apresentado no filme acabamos agindo como viciados tentando nos manter apegado a algo mesmo vendo essa jornada chegar ao fim, e o dilema do personagem de Ahmed é apresentado de forma bela com a montagem de Mikkel E.G. Nielsen de Beasts of No Nation (2015) e o som de Nicolas Becker de Punk (2012) e Abraham Marder. Aliás, Nicolas também assina a musica do filme brasileiro Casa de Antiguidades, selecionado ao Festival de Canes 2020.
A musica e o som são importantes no filme, pois nós, enquanto espectadores, somos apresentados a surdez junto de Ruben, ora ouvindo de fora e ora ouvindo da perspectiva dele. A musica, o som é o grande amor do protagonista, é a ponte entre ele e sua namorada companheira de banda. Toda ação do personagem é voltada para a música, pois sem isso ele fica sem banda, sem banda ele fica sem sua parceria e sem ela, o protagonista fica sem objetivos.
Em determinado ponto, cheguei a pensar que sua obsessão em ouvir era algo relacionado à masculinidade frágil. Entretanto, na forma dolorosa como o sujeito é quebrado, mesmo com sutileza, a narrativa tece sua desconstrução, apresentando-o no início do filme como sendo forte, sendo colocado em diversos momentos sem camisa, mostrando-se como quem não precisa de escudos até a dor e as mudanças o levarem a colocar uma camisa; e assim vemos toda a sua fragilidade exposta.
A fragilidade também é reforçada no momento em que o protagonista é colocado numa mesa de cirurgia e sofre uma violência física, acreditando ser sua salvação. Assim como alguém dirigindo um carro em alta velocidade em direção a um muro, ao tentar manter o controle, ele perde a direção. Direção a qual já perdeu antes, pois em alguns momentos o filme toca no assunto do vício vencido pelo personagem, depois de quatro anos sem tragar, ele fuma um cigarro e toma café, mas não se engane a questão não é vício e sim ciclos se iniciando e se fechando, apego a coisas das quais devemos deixar ir.
Mudar mesmo sendo doloroso.
Ao dizer "tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor", Schopenhauer, acredito eu, estava colocando a felicidade como alcançável a partir, e somente a partir, da negação da própria vontade. A vontade de manter tudo sob controle de nossa perspectiva e sem aceitar as mudanças das quais a vida é cheia. Assim como no filme, aceitando ou não as mudanças, mesmo sendo homens e mulheres, podemos nos tornar "dinamite" ao chegarmos no nosso limite, como Nietzsche descreve. É nesse ponto de explosão e transformação que podemos encontrar a paz, mesmo no silêncio.