Tenha Fé/Walt Disney Studios/Divulgação |
Quando
Um Padre e Um Rabino Amam Uma Mulher – Tenha Fé
O
que pode acontecer quando um padre e um rabino amam a mesma mulher?
Como diria o narrador de trailers antigos: “altas confusões”?
Bom, sim, porém o legal é quando a história mesmo contendo isso,
não foque nisso, veja, por esses dias revi pela terceira vez o filme
Tenha Fé e na revisão eu me lembrei do dia de minha matrícula na
Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade de São Paulo,
naquele dia eu estava bêbado e feliz. Há um tempo venho pensando
nessa época e em um dos caras que me fez querer se enveredar pelas
Ciências Sociais, ele era um sapateiro, e não fez “Sociais” e
também no meio dos seus escritos não tenho certeza de ter lido algo
dizendo “Vá para as trincheiras da faculdade”, no entanto eu
fui…
Na
faculdade entre intelectuais falando de trabalho sem nunca ter ido a uma
fábrica ou fazer qualquer outro tipo de trampo, entre intelectuais
orgânicos mais sintéticos que as drogas que usam e uma produção
intelectual mecanizada e raramente original; quase perdi minha
cabeça, literalmente. Mesmo levando a graduação de boa ou “nas
coxa” como diziam na quebrada, eu tive um momento de dúvidas o que
logo depois me levou a uma crise de pânico, onde me lembrei de
Tenha Fé.
Um rabino e um padre entram na vida de uma
garota, fazendo assim amigos de infância criarem um estranho
triângulo amoroso que sabemos onde começa e também onde vai
acabar. Tenha
Fé é um filme leve para tempos pesados, trazendo um olhar perspicaz
sobre vocação, fé e relacionamento. Ótima estreia na direção de
Edward Norton de Brooklyn – Sem Pai Nem Mãe, o filme foi escrito
por Stuart Blumberg de Minhas Mães e Meu Pai e vem “elencado”
por Jenna Elfman de Looney Tunes: De Volta a ação, Ben Stiller de
Os Meyerowitz (e o já citado aqui Turma da Pesada) e também o
próprio Norton de A Outra História Americana.
Antes das perguntas surgirem, de antemão vou dar algumas respostas:
Sim,
o filme é medíocre, mas não desaponta.
Sim,
Stiller não tem pinta de galã de cinema, mas quem na vida real tem?
E
não, o filme não é apenas um triângulo amoroso com ângulos
religiosos, e esse é o ponto aqui. Para alguns talvez o filme pareça
raso se apenas o limitarem a um romance, mas a película traz vários outros pontos a
serem discutidos e aqui quero destacar a DÚVIDA.
A
dúvida me atingiu em cheio durante o período da graduação, onde
quase fui vítima daquilo que Maurício Tragtenberg descreveu como
“Delinquência Acadêmica”, um produto onde se
cria uma “concepção capitalista do saber”, isso é, através da
busca sem controle por titulações, publicações e pontos, o intelectual paga para apresentar trabalhos a si mesmo ou aos poucos amigos, estes por suas vez revezam entre falantes e ouvintes, não interessado no conteúdo e a
qualidade da publicação, mas sim em quantos pontos vale; também
não importa se alguém lerá o artigo; que seja de preferência uma
publicação em algum país vizinho, pois publicações
internacionais valem mais pontos e em espanhol é mais fácil,
ilustrando com uma pitada de Max Weber, ou quase:
Cartaz por Chuck |
— O
diploma substitui o direito de nascença.
Em
Tenha Fé, o personagem de Norton dúvida de si, de seu trabalho e
daquilo que sempre quis ser por conta de seu amor, e em uma conversa
com seu mentor interpretado por Milos Forman de forma descompromissada, diretor de Um Estranho no Ninho, ele descobre naturalmente
que o clérigo além de já ter tido uma relação amorosa,
costuma-se apaixonar uma vez a cada década…
Queria
eu ter contado com um “Milos Forman” na minha graduação, mesmo
sem levar a sério, a violência da vida acadêmica me dominou,
quando percebi a sua opressão eu já havia deixado de fazer minha
arte, e até mesmo de agarrar algumas oportunidades, as quais me
soavam como as melodias angelicais devam soar, minhas neuroses
voltaram e por um momento achei até que a depressão, então pensei
“Porra, pirei!”, mas não. E nesse ponto revi pela segunda vez
Tenha fé, cujo único ponto negativo do filme é a possibilidade
dele cansar um pouco nas suas, sem qualquer necessidade, duas horas,
mas se não fosse essas horas a mais não teríamos a brilhante ideia de dar ritmo
ao filme inserido alguns quase “videoclipes” para a transição
entre os atos da trama, é brega, mas eu gosto, em uma cena de
corrida no parque é possível imaginar uma bela referência a Jules
e Jim: Uma Mulher Para Dois de François Truffaut.
Outro ponto ao qual vale destaque é: O filme se vende como comédia,
forçando a inserção de piadas onde acaba se perdendo em alguns
momentos, mas sem deixar distanciar o espectador do drama seus
personagens. De modo geral, Tenha Fé é um filme simpático e não
deveria pertencer à comédia, piadas precisam de timing e
timing não há aqui, no quesito comédia o filme falha,
contudo, possui diversos pontos deixando-o interessantíssimo, por
isso gosto de encará-lo como um drama leve, mas muito, muito leve
mesmo. Pois
o ponto chave do filme está no drama vivido pelos personagens, o padre tem dúvida na sua incumbência em atuar neste trabalho, o rabino se sente pressionado pela sua comunidade e tradições, mesmo
apanhando bastante nos primeiros anos dos sacerdócios e cercados por
dúvidas nossos protagonistas fazem suas escolhas e lidam com elas.
Agora
como eles lidam com tudo isso?
Para
saber você terá de ver o filme, pois quero dizer apenas que a dúvida
sempre existiu e sempre existirá, e Tenha Fé deixa evidente como ela
acomete a todos e mesmo com a angústia gerada devemos ter
paciência e lidar da melhor forma, sendo assim, após ver Tenha Fé penso que ter deixado à graduação
foi em partes uma boa coisa apesar de ter sido uma decisão difícil, acredito não ter sido a melhor das escolhas, mas na falta de amparo das políticas de permanência estudantil foi uma escolha mais necessária, veja, viajei
por aí, trampei, consumi e fiz minha arte, coisa que não teria
feito se tivesse permanecido na graduação.
Enfim,
pra terminar achei que eu poderia usar a Ciências Sociais como um
fator de transformação social, mas me enganei e isso continua como
uma decepção áspera e amarga descendo pela minha garganta. Fico
feliz pelos amigos que prevaleceram onde eu sucumbi, porém com a
certeza de que a Academia apenas brilhará aos olhos da sociedade e
do povo trabalhador quando arder em chamas.
*
Se curtiu o filme, acesse: Tenha Fé
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