Sinopse: Há um momento na vida em que relembramos primeiros amores, desejo e paixão e o interesse precoce pelo cinema, esse último talvez não, mas de qualquer forma refletindo sobre o tempo, dores e entre tantas outras coisas, falo um pouco sobre Dor e Glória.
Dor e Glória/Sony Pictures Classics/Divulgação |
Mais um Desabafo Que um Bilhete Suicida
- Dor e Glória
O tempo passa e as
dores parecem maior, e mais frequentes, que as glórias, com o passar do tempo
fui acometido com gastrite, dores nas costas, enxaqueca, sinusite, asma e entre
outras coisas muito incomodas, daria mais de um verso inteiro da música O Pulso
dos Titãs. Por isso, ao dar o play no filme Dor e Glória rolou
aquela identificação logo de cara. Dor e Glória de dois mil e dezenove é
um filme espanhol dirigido por Pedro Almodóvar de Carne Trêmula e conta
com Antonio Banderas de ¡Átame! (e também Assassinos, longa citado
no Três Minutos Podcast #14), também temos
Julieta Serrano de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e Penélope Cruz
de Volver.
Em Dor e Glória
temos um Almodóvar de pouca palavras e muito sentimentos, tanto na execução
técnica quanto no próprio roteiro, explorando uma trama intimista o longa
constrói uma dialética entre passado e presente de uma vida que, entre dores e
glórias, está se esgotando. A infância e velhice estão no contra plano compondo
imagens vividas como em uma pintura. A infância se mostra pálida, quase
monogramática cercada por paredes pintadas com Cal e a velhice é colorida quase
escandalosa, compondo uma imagem onde aquela criança, uma tela em branco, agora
está marcada colorida. Com essa representação poética, na tela podemos sentir
parte da vida de Pedro Almodóvar, não que o autor tenha vivido os diálogos e
situações apresentadas na película, mas a ralação dele com os diversos temas
ali expressados, tal qual o desentendimento com um determinado ator, Pedro se
desentendeu com vários o próprio Banderas é um deles, aliás, Antonio constrói
um lindo álter ego para o diretor utilizando os mesmo trejeitos, corte de
cabelo e o mais óbvio, e clássico, os óculos escuros.
Cartaz por Chuck |
Chega um momento na
vida onde tudo o que podemos fazer é sentir, mesmo dor, a dor é sempre
precursora do fim, e aqui, Pedro segue o caminho de diversos artistas
confrontado o seu fim, transformando sua própria existência em obra de arte,
mas ele não faz isso por conta da idade, essa é a sina de todo artista, eu
mesmo, com minha atual melancolia, me sinto contemplado com todo o sentimento
colocado em tela, mesmo estando longe dos setenta anos. A mais bela
representação poética do longa está no florescer da sexualidade do
protagonista, se pode contar nos dedos boas representações da homossexualidade na
sétima arte, porém aqui Almodóvar consegue colocar beleza, naturalidade e
inocência, numa cena onde um corpo nu é iluminado pelo sol
cercado por paredes brancas construindo o endeusamento e a pureza daquele
momento. Veja como o diretor compõe com naturalidade a vida, a sexualidade
brota ali na infância numa cena distante cercada por paredes brancas a qual vai
culminar num plano próximo de um beijo real, vísceral e apaixonado cercado por
cores. Mesmo não sendo usada como engrenagem para girar a narrativa, a
sexualidade do personagem é importantíssima para a composição da identidade do
mesmo e consequentemente do diretor.
Toda trama soa
sincera.
Já há um tempo venho
cuidando da saúde, dei um tempo no álcool, no tabagismo e mudei a alimentação,
passei a correr todos os dias, fiz tudo para tentar melhorar as dores do corpo
e da alma como se diz no roteiro de Almodóvar. No filme, Salvador Mallo,
relembra sua vida, sua carreira, passando pelo primeiro amor até sua primeira
paixão. Tudo cercado por dores e glórias.
Em Dor e Gloria vemos o protagonista
fazer as pazes com um filme realizado por ele há trinta e dois anos, o qual
depois da estreia ele nunca havia assistido outra vez, claro, isso é uma
metáfora para pessoas, sentimentos e lugares, durante todo o filme refleti
sobre coisas das quais eu não havia feito as pazes desde pessoas, trabalhos e
sentimentos, Almodóvar sabe como criar uma conexão com o espectador mesmo
narrando uma historia tão pessoal e intimista, ele próprio disse que este é o
seu projeto mais pessoal.
Com um Pedro
Almodóvar maduro, consistente e apaixonado, sem ser passional como antes, a fita carrega um grande plot twist quando revela o que foi
processo criativo e o que foi a obra que nasce desse processo encerrando tudo
numa única palavra “corta”.
Não sou um grande fã
da filmografia de Almodóvar, mas defendo com unhas e dentes o quais eu gosto e
Dor e Glória é cinema foda, Almodóvar se mostra um diretor com o domínio da
forma de se fazer cinema, de exemplo veja como da inserção em “Power Point”
no começo do filme destoando do resto da narrativa até aos flash backs de
um velho motivados por heroína se encaixam num mosaico cujo o resultado é um
drama, mas se passa fácil por comédia irônica, cheio de melancolia e amor, e
apesar de toda a tristeza, o filme não me parece um bilhete suicida propondo o fim do realizador, mas um
desabafo num diário, o diretor coloca diversos ponto finais em questões quase
hipocondríacas, mas não de uma forma onde ele ira parar de fazer filmes, e sim
que devido a tudo oque viveu ele ira produzir mais devagar e ira saborear mais
a forma de faze-las, como propõem o final do filme; Ao final da projeção,
(coloco aqui projeção por um vicio de linguagem, pois vi o filme no streaming)
temos um elemento artístico da infância do protagonista retornando a ele e
assim mostrando que a arte permanece independente dos seus autores, ou no caso
modelos, para mim Almodóvar constrói aqui uma película para celebrar o passado,
presente e o futuro incerto, num final onde deixa vago o porvir do
protagonista, mas coloca a certeza de que sua vida está ali representada
entregando assim uma única mensagem para o espectador, independente de suas
dores e idade:
— Continue!
*