O Fabuloso Destino de Amélie Poulain - O Diabo Está Nos Detalhes
“Eu gosto de observar os detalhes que ninguém mais vê."
Sinopse: Neste texto, celebrando a beleza das minúcias da vida e os seus grandes impactos, explorando a solidão e os medos, além do comportamento humano, falamos sobre Amélie e seus pormenores. Pois como você sabe: O diabo está nos Detalhes.
O Diabo Está Nos Detalhes - O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
Nunca acenda um cigarro no ponto de ônibus. Todos sabem que o diabo mora nos detalhes. Todos sabem, mas poucos se importam. Eu, por exemplo, comprei um computador barato e instalei o Linux. Não me atentei ao detalhe de que não havia drivers compatíveis com o notebook. Resultado: entrada para cartão SD, USB 3.0 e HDMI não funcionam. Mas o Linux roda que é uma beleza.
Viva o software livre!
E sabe quem entende de detalhes? Amélie Poulain. O maior marco recente da cinematografia francesa. No filme, Amélie é solitária desde criança. Entretanto em um certo dia em mil novecentos e noventa e sete, ela tem seu destino alterado por um acontecimento marcante. Não, não pela morte da Princesa Diana, mas por encontrar, escondida no banheiro de seu apartamento, uma caixinha com pertences de um antigo morador. A partir daí, Amélie se joga na realização de pequenos atos a fim de ajudar pessoas ao seu redor, e assim, tornando fabuloso o seu destino, além de ganhar um novo sentido para si.
Talvez você ainda esteja com o ditado “o diabo mora nos detalhes” na cabeça. Mas é importante notar: não é que todo detalhe seja algo satânico. Detalhes também podem revelar surpresas. Um deles talvez tenha passado despercebido por você: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é um dos raros filmes que subverte o gênero da comédia romântica. Quantos filmes conseguem ser tão diferentes do molde a que pertencem? É difícil dizer. Talvez Duro de Matar e sua associação improvável ao gênero “filme de Natal” — se é que esse gênero existe, e se é que Duro de Matar realmente é natalino (falo mais disso aqui). Mas isso pouco importa. O que importa é que a direção do longa é de Jean-Pierre Jeunet (o mesmo de Alien: Ressurreição, como todos gostam de lembrar), o roteiro é de Guillaume Laurant (que, além de Amélie, pouco se destaca), e o elenco traz boas atuações de Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Lorella Cravotta e Jamel Debbouze — que, de fato, não tem um braço.
Dentro da narrativa, Amélie prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laços reais com os que estão presentes. Em contrapartida, tenta arrumar a vida dos outros. Mas, se o diabo está nos detalhes, quem vai arrumar a bagunça da vida dela? Há sempre um vazio rondando Amélie, e o filme explora esse vazio invertendo expectativas: ela é indiferente durante o sexo, mas experimenta prazer ao quebrar a cobertura do crème brûlée. E e isso não é só em relação a protagonista, mas em todos os personagens, suas peculiaridades e suas próprias formas de solidão, como na a doença imaginária de Georgette, a obsessão de Joseph por Gina, o fracasso do escritor Hipólito, a devoção do pai de Amélie à falecida esposa, a descrença de Madeleine no amor. Entre gatos, ruas vazias e espaços que deveriam estar cheios, o filme mapeia diferentes signos de isolamento, costurando-os em um retrato coletivo de pequenas solidões.
E entre tanta subjetividade o que a narrativa deixa claro: é preciso superar o medo e arriscar-se. Como diz o Homem de Vidro (não, não o personagem da franquia Vidro que você está pensando):
— Você não tem ossos de vidro. Pode suportar os baques da vida. Se deixar passar essa chance, com o tempo seu coração ficará tão seco e quebradiço quanto meu esqueleto. Então, vá em frente.
Muito se fala sobre o Fabuloso Destino de Amélie Poulain e seu apreço técnico, e tudo isso é tudo isso mesmo, tudo em Amélie é digno de ser, e já foi, copiado, contudo nada se compara, pois esse clássico vai além, por mais que se venda como comédia romântica, o longa se constrói como uma obra aparentemente simples, recheada de trivialidades, mas carregada de simbologia. A cores dialogando com a trama do filme, enquanto referências ao comportamento humano de se isolar são ironizadas na tela com poesia, questões filosóficas e psicológicas.
Este é, sobretudo, um filme sobre solidão e nos mostra como pequenas coisas podem ressignificar nosso mundo, afinal o diabo mora nos detalhes, e esse ditado, que repeti durante todo texto, alerta para isso, detalhes, ou pequenos erros que podem ser cometidos nas pequenas circunstâncias, seja acendo um cigarro no ponto de ônibus ou comprando o notebook por ser barato, atrasando assim as publicações em seu site.
O longa Amélie Poulain tem em muitos aspectos mensagens que realmente podem mudar a vida de alguém, ele projeta nossa atenção para as pequenas coisas da vida e como isso traz recompensas significativas.
Como ao assistir a um simples filme francês e deixá-lo nos tocar, somos capazes não só de levantar questões complexas sobre gênero e pensar o feminino frente ao mundo contemporâneo, como também de refletir sobre as pequenas recompensas escondidas no cotidiano, ou não, pois o diabo mora nos detalhes, e não há recompensa em acender um cigarro enquanto se espera o coletivo, já que, ironicamente, eles sempre chegam após o primeiro trago.
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