Sinopse: Neste texto, Chuck apresenta o conto A Mulher Morre de Aoko Matsuda e traça uma linha comparativa com a lista Mulheres na Geladeira de Gail Simone. Além disso, discute diversos filmes onde mulheres são sub-representadas e apresenta dois exemplos que quebram essa regra.
A Mulher Morre Na Geladeira
- A Mulher Morre.
Repare em como ao lado de quase todo homem, vigorosamente motivado, jaz uma mulher calada. Nós assistimos isso, lemos isso e conhecemos muito bem isso.
E não damos a mínima.
📷Yuri Manabe/Divulgação |
Capa da edição japonesa de A Mulher Morre |
Num conto onde um grupo de desconhecidos, após um encontro casual com uma vítima de feminicídio, descobre-se os genitais – além dum bom motivo rirmos deles. A história mostra-nos como são usados alguns tropos para os avanços de narrativas usando a figura do feminino, Matsuda lista quatr: a morte, o casamento, a gravidez/aborto e estupro.
A Mulher Morre destaca-se por sua abordagem direta de tropos frequentemente utilizados para impulsionar narrativas quase nem sempre femininas. O narrador é em 1ª pessoa onisciente e explora os personagens Kimiko – que retorna do trabalho; Yumi e Akira – casal que vai ao cinema para dar uns pegas; Kenichi – trabalhador braçal; Hiroshi – trabalhador de escritório; e a mulher que foi esfaqueada. Ao introduzir os personagens, já pode-se perceber o valor literário da obra de Matsuda, pois todos eles têm nomes, exceto “a mulher” esfaqueada que aparece na narrativa sem nome como estratégia para criar uma figura que represente qualquer pessoa, facilitando a identificação do leitor com as situações e emoções descritas.
De modo geral, o estilo literário de Aoko Matsuda é caracterizado por uma abordagem leve de temas pesados, com a habilidade de confrontar questões sociais e culturais através de uma narrativa envolvente e inovadora, tais como desigualdade de gênero e discriminação na sociedade contemporânea. Sua obra frequentemente desafia normas culturais e sociais, trazendo à tona questões consideradas “tabus” ou “inapropriadas” em contextos tradicionais. Como em A Mulher Morre, onde Matsuda explora como as mulheres são sub-representadas no cinema, durante uma sessão de cinema o narrador descreve algumas cenas, onde nós facilmente podemos relacionar com algum filme visto em algum momento de nossas vidas, logo no início da narrativa, o texto abre da seguinte forma:
A mulher morre. Morre para o homem ficar triste. Morre para o homem sofrer. Morre para dar a ele um destino. Morre para o homem se juntar ao lado negro da força. Morre para ele gritar sua dor aos céus. Ao lado do homem, vigorosamente destruído, jaz a mulher, calada. A mulher morre, por ele. Nós assistimos a isso. Nós lemos isso. Nós conhecemos bem isso. (Matsuda, 2019. Trad. Rita Kohl. p. 147).
Neste trecho percebemos como a narrativa explora as várias razões pelas quais uma mulher morre em histórias, como dispositivo para desenvolver a trama, para provocar uma catarse ou por falta de outras ideias melhores. Aoko Matsuda faz uma clara referência a Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith, mas ao ler este parágrafo vemos claramente a franquia John Wick.
No filme John Wick (2014) de Chad Stahelski e David Leitch, a motivação do protagonista está ligada à sub-representação feminina. O assassinato da cachorrinha Margarida, a única ligação de John com sua esposa morta, serve como gatilho emocional para a ação do personagem. A dupla morte do feminino segue até John Wick: Chapter 2 (2017), apenas de Chad Stahelski, onde o foco poderia se deslocar do tropo da mulher morta, centrando-se em uma dívida de sangue e na expansão do universo criminoso, no entanto, essa a dívida só é cobrada e aexpansão só ocorre pois a mulher e a filhote morreram no primeiro filme. Agora, indo ao terceiro, John Wick: Chapter 3 – Parabellum (2019) do mesmo diretor do anterior, John está em fuga, e, apesar de a narrativa se afastar da motivação inicial, a mulher-morta ainda é um elemento subjacente. potencializado quando John perde sua aliança de casamento “para o homem sofrer”. Agora, finalmente, em John Wick: Chapter 4 (2023), também de Stahelski, a história se aprofunda e complica ainda mais o Wick Universe e mesmo assim, o uso inicial do tropo da mulher morta no primeiro filme continua a permear a série. John busca recuperar a aliança perdida no filme anterior, mesmo - spoiler - sem ter o dedo anelar.
Assim como a morte é utilizada como estopim, o casamento é usado como um recurso para encerrar uma narrativa, ou porque os roteiristas não sabem como desenvolver a personagem feminina, ou por falta de outras ideias melhores. Matsuda destaca isso em seu texto:
A mulher se casa. Casa para encerrar uma etapa. Casa para ir encaminhando a história rumo ao fim. Se você não souber como terminar, sempre pode fazer uma festa de casamento. Todo mundo fica satisfeito, por algum motivo. É o verdadeiro final feliz. (Matsuda, 2019. Trad. Rita Kohl. p. 147).
Um bom exemplo é O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), o épico final da trilogia dirigida por Peter Jackson, baseada nos livros de J.R.R. Tolkien, onde o casamento de Aragorn e Arwen simboliza o fim da era dos Elfos e o início da era dos Homens na Terra Média. O casamento de Sam e Rosinha também é brevemente mostrado, na trama as mulheres aparecem apenas para o casamento, com importância na trilogia temos apenas Arwen, Galadriel e Éowyn.
Matsuda constata em seu texto que além de ser usada para morrer, iniciar e finalizar histórias, a mulher também é frequentemente retratada como um recurso para incitar drama, desenvolver personagens ou prolongar a narrativa, sendo mote quase sempre gravidez e/ou aborto. Um bom exemplo disso é a franquia O Diário de Bridget Jones. No final do primeiro filme, O Diário de Bridget Jones (2001), de Sharon Maguire, Bridget Jones, interpretada por Renée Zellweger, uma mulher balzaquiana, decide tomar o controle de sua vida finalmente encontrando o amor verdadeiro, no entanto, o casamento só acontece no terceiro filme. A trilogia, que inclui Bridget Jones: No Limite da Razão (2004) de Beeban Kidron e O Bebê de Bridget Jones (2016) de Maguire, explora muitos clichês sobre o ser mulher até culminar no senso comum, a grávidez e o casamento, encerrando a história com um final feliz.
A mulher engravida. Engravida para produzir um novo drama. Engravida para produzir um novo personagem. Engravida para movimentar uma situação estagnada. Engravida para encompridar a história. Nós ficamos surpresos quando o corpo da mulher começa a inflar e fica enorme. Trocamos cochichos. Que loucura! Ela tá parecendo um balão! O que é que tá acontecendo? (Matsuda, 2019. Trad. Rita Kohl. p. 148).
A autora encontra espaço para tratar o aborto, explorado sempre sem profundamente, assim como suas consequências e o impacto do trauma nas vítimas, a maioria dos estupros em narraivas são usados como desculpa para movimentar a trama, mas em sua maioria é apenas algo desnecessario.
A mulher sofre um aborto espontâneo. Sofre um aborto para o casal apaixonado passar por uma provação. Se der tudo certo e eles forem felizes assim logo de cara, não tem graça, então ela sofre um aborto. (Matsuda, 2019. Trad. Rita Kohl. p. 148).
Um exemplo de uso deste tropo é Dirty Dancing (1987), de Emile Ardolino. Entre os temas deste clássico, temos romance e questões de classe. O ponto crucial da trama ocorre quando Penny, parceira de Johnny, então para ela poder realizar um aborto, Baby substitui Penny como parceira de dança de Johnny em uma apresentação, assim proporcionando altas confusões e uma das cenas mais memoráveis do cinema. O aborto influencia a narrativa, afetando a relação entre Baby, Johnny e a luta de classes, mas esse evento não expõe as desigualdades sociais e econômicas entre os personagens, a trama utiliza o aborto para tirar Penny de circulação e avançar o envolvimento do casal protagonista, assim apenas sugerindo a critica acerca da falta de acesso a cuidados médicos seguros para mulheres em situações vulneráveis.
Por fim, o conto descreve como a sétima arte utiliza o estupro como um recurso narrativo para provocar a fúria do protagonista masculino e impulsionar a ação da história.
A mulher é estuprada. É estuprada para ele ficar furioso. É estuprada para acender no coração dele o desejo de vingança. É estuprada para ele bradar sua fúria aos céus. (Matsuda, 2019. Trad. Rita Kohl. p. 149).
Em Desejo de Matar (1974), de Michael Winner, a trama pequeno-facista gira em torno de Paul Kersey, um arquiteto cuja esposa e filha são brutalmente atacadas e violentadas. Buscando vingança contra os responsáveis e outros criminosos nas ruas de Nova York, o filme tem uma abordagem controversa sobre justiça e vingança, usando o estupro como um recurso narrativo para motivar a fúria do protagonista masculino e impulsionar a ação da história.
O interessante nesta análise é notar como Aoko Matsuda dedica o conto inteiro a expor como a morte de uma mulher é utilizada como catalisador para transformações na trama. Ela nos leva ao ponto em que a própria autora usa um incidente envolvendo uma mulher esfaqueada para subverter o tema de sua narrativa de forma inesperada para promover o desenvolvimento das suas personagens. Matsuda utiliza esses tropos como ferramentas para desconstruir e questionar convenções, oferecendo uma perspectiva renovada e crítica.
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- Mulheres na Geladeira.
Agora, antes que eu comece a me alongar, vamos traçar o paralelo com a lista Women in Refrigerators (Mulheres na Geladeira). Escrita em noventa e nove pela escritora Gail Simone, ela é um catálogo de mais de cem personagens femininas de quadrinhos que foram mortas, mutiladas, agredidas física e moralmente ou desempoderadas de alguma forma, sempre para servir como potencializadores do desenvolvimento de personagens em sua maioria masculinos. Muito semelhante ao movimento feito por Aoko Matsuda em A Mulher Morre. O nome da lista vem de um incidente em Green Lantern, vol. 3, #54, onde a namorada do herói é encontrada morta dentro de uma geladeira.
?/Gail Simone/Divulgação |
Mulheres na Geladeira foi redigida em resposta ao que Simone percebeu como “um tratamento desproporcionalmente negativo das personagens femininas nos quadrinhos”. O objetivo da lista era chamar a atenção para a desigualdade de gênero na indústria dos quadrinhos e incentivar uma representação mais justa, respeitosa e “real” das personagens femininas, pois ao destruir personagens que as leitoras gostavam, as editoras estavam afastando as leitoras dos quadrinhos.
Agora, alguém (se não você) deve estar se perguntando como uma simples lista em ordem alfabética pode ser levada a sério, correto? Marcel Duchamp, conhecido pelo mictório artístico, estabeleceu que um objeto comum pode ser elevado ao patamar de uma obra de arte. No entanto, diferentemente dele, acredito que isso nem sempre ocorre apenas pela escolha do artista, mas também pela escolha do público ao estabelecer uma conexão mais pessoal com a obra. Pense no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, vulgo: Museu do Ipiranga. Ao lado do quadro Independência ou Morte (1888) de Pedro Américo, estão expostos vasos com águas dos rios do Brasil e objetos domésticos de diversos momentos históricos da cidade de São Paulo. Água não é arte, assim como um prato ou uma colher também não são; contudo, ao olhar criticamente e interpretar esses objetos históricos, eles se transformam e podem ser “lidos” e compreendidos de diversas maneiras, promovendo uma compreensão mais profunda da arte e da história.
Uma lista é um conjunto de itens coletados e dispostos em um formato útil. As listas são, sobretudo, uma ferramenta que “não se lê, mas se usa; procura-se as informações relevantes nela, e geralmente não é necessário lidar como um todo” (DOLEŽALOVÁ, 2009, p. 10, tradução nossa). Na literatura, chamamos esse processo de “literarização”, isso ocorre quando um texto, como uma lista, ganha valor literário; quando um determinado texto é transformado ou tratado de maneira a adquirir qualidades literárias, como estilo, forma e impacto emocional ou estético. O impacto de Mulheres na Geladeira foi tão grande que passou por esse processo elevando-se de um mero catálogo informativo para uma obra com valor artístico e literário.
A lista de Simone foi de uma publicação num blog pessoal para um texto relevante no contexto social publicado dos quadrinhos estadunidenses, onde a indústria é dominada por homens e a representação das mulheres frequentemente carece de profundidade e respeito. A crítica de Simone visa incitar mudanças na maneira como as histórias são contadas e como as personagens femininas são tratadas. Essa lista teve um impacto significativo na indústria dos quadrinhos. Ela gerou discussões sobre sexismo na cultura pop e mais precisamente na indústria dos quadrinhos, levando a uma maior conscientização sobre a forma como as personagens femininas são tratadas. Muitas editoras e escritores começaram a “prestar mais atenção” à representação das mulheres em suas histórias, buscando evitar a repetição de tais tropos, onde mesmo assim ainda são muito utilizados.
Após a publicação da lista, houve uma série de reações tanto positivas quanto negativas. Alguns críticos e profissionais da indústria apoiaram Simone e reconheceram a necessidade de mudanças, enquanto outros argumentaram, erroneamente, que a lista era exagerada ou que, pasmem, as comics eram apenas entretenimento e não deveriam ser levadas tão a sério. No entanto, a lista ajudou a iniciar uma conversa que continua até hoje sobre a representação de gênero em quadrinhos e outros meios de entretenimento e arte.
Assim como em A Mulher Morre, o conceito de mulher na geladeira, o Fridging Women, também pode ser identificado no cinema, veja:
No filme Homem-Aranha (2002) de Sam Raimi, somos lembrados de que “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, através de um ataque a uma senhora idosa, seguido por um confronto entre o herói e um lunático, que impõem a escolha: Deixar a mulher amada morrer ou sofram as criancinhas. E não para por aí, em O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça de Electro (2014) de Marc Webb, a morte de Gwen Stacy exerce uma influência profunda sobre a narrativa e o desenvolvimento do personagem Peter Parker. Esse evento emula a trama da edição The Amazing Spider-Man #121, publicada em junho de 1973 (onde a ideia do Spidey sofrido começou) e claro, não podemos deixar de lado Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021), de Jon Watts e parte do Universo Cinematográfico Marvel, utiliza a morte de Tia May e a desmemorização de M.J como propulsão para o crescimento e amadurecimento de Peter Parker. Afinal, não basta ser pobre, para ser o Homem-Aranha tem de sofrer com a perda das mulheres que ama.
Aproveitando o ensejo, vamos falar sobre o aclamado final do Marvel Cinematic Universe (MCU, Universo Cinematográfico Marvel) mas antes, vamos para Guardiões da Galáxia (2014), de James Gunn, onde conhecemos Peter Quill, o auto proclamado Star-Lord. A morte de sua mãe é um evento crucial que o impulsiona a se tornar um saqueador e, eventualmente, um herói. Este evento é também explorado em Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017), onde a história continua a explorar as consequências emocionais da perda de sua mãe e como isso molda as ações do Star-Lord.
Agora seguimos ao final do MCU, estabelecidos os pilares do universo cinematográfico da Marvel, nós chegamos ao seu clímax, onde as mortes de personagens femininas são usadas para motivar os personagens masculinos. Em Vingadores: Guerra Infinita (2018) de Anthony e Joe Russo, diversos heróis se reúnem para enfrentar o vilão Thanos, que mata sua filha adotiva, Gamora, a qual passou, junto de sua irmã, a vida sendo abusada pelo pai. Este ato não só avança a trama, mas também tem um impacto significativo em Peter Quill, que, spoiler, irá levar a culpa pelo BLIP, e é essa culpa que nos leva até Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023), onde a morte de Gamora continua a impactar Quill, que busca desesperadamente conquistar a nova Gamora. Apagando completamente a relação que ele tinha com a Gamora original, sem se importar com o fato de que a Nova Gamora é uma variante da mulher que um dia ele amou.
Complexo?
Agora, para não ficarmos chutando cachorro morto e falando apenas de filmes de bonecos, ou melhor, action figures, vou citar dois filmes que eu gosto, mas que de fato utilizam o tropo Fridging Women, o que impacta em seu valor enquanto arte.
Primeiro, Gladiador (2000) de Ridley Scott. O épico histórico segue a jornada de Maximus, um general romano que, após uma série de desventuras e infortúnios, se torna gladiador, motivado a vingar a morte de sua esposa e filho nas mãos do imperador Commodus. No clímax do filme, essa motivação é ressaltada quando Commodus, absolutamente do nada, diz para Maximus que “O seu filho gritou como uma menina enquanto eles o pregavam na cruz. E sua mulher gemeu como uma puta enquanto eles a estupravam de novo, de novo e de novo…” (1h48min, tradução nossa).
Por conseguinte, trago 007 - Cassino Royale (2006) de Martin Campbell - não só é o melhor filme da carreira do diretor, como também é o melhor da franquia até o presente momento. Este filme reinicia a história de James Bond para um novo século, porém com os mesmos problemas do passado. Neste filme somos apresentados a Vesper Lynd, uma personagem que vai além dos estereótipos tradicionalmente associados ao título de Bond Girl, pois anteriormente, essas personagens eram planas e ocupavam papeis secundários ou apenas eram o interesse romântico da vez para o protagonista. Ganhando profundidade, Vesper é uma personagem central com um desenvolvimento complexo, interpretada de forma impecável por Eva Green, posto isso, sua trama conclui-se com sua morte trágica ao final da trama servindo como um catalisador para a transformação de James Bond no JAMES BOND que conhecemos.
E o que faz de um homem, um de 007?
A sua célebre frase.
Lembre-se este filme é pensado como a origem do herói, Bond responde ao chamado para aventura, há uma jornada de desenvolvimento e sai vitorioso após uma crise e volta para casa transformado, renascido a partir da morte de uma mulher, mas esse não é o ponto mais problemático, veja, sempre quando um novo Jmaes Bond é anunciado e um novo filme é lançado, o que esperamos ouvir é a célebre frase “Bond, James Bond” para ver se o ator de fato convence como o espião que eu amava. No entanto, neste filme, passamos exatas 2h e 20min esperando pela frase, para podermos dizer se Daniel Craig é ou não James Bond. Porém, a frase só aparece após a trágica morte de Vesper Lynd, após a mulher morrer, Bond rastreia um dos vilões chamado Sr. White até sua propriedade na Itália para encará-lo face a face, e antes de matá-lo, ele se apresenta dizendo: “O nome é Bond, James Bond”. Essa é a última linha de diálogo do filme. E isso é problemático pois essa sentença icônica da personagem agora está associada à morte de uma mulher. O que motivou a concepção da célebre frase foi o triste fim de Vesper Lynd, agora, não importa a qual filme você assista da franquia, sempre que um Bond disser a frase, nós a associaremos à uma mulher morta.
- A mulher morre na geladeira.
Sendo assim, para NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES, gostaria de discutir dois casos em que a morte de uma mulher não é um recurso barato. Um é Capitão Fantástico (2016) Matt Ross, onde acompanhamos uma família que vive numa floresta isolada da sociedade capitalista até a morte da matriarca, o que leva os personagens a lidarem com o luto e com o fato de serem uma família fora das estruturas e convenções sociais. Já em A Incrível Aventura de Rick Baker (2017) de Taika Waititi, um órfão maori (povo originário da Nova Zelândia) criado na cidade e amante do gangsta rap começa uma nova vida com uma família adotiva na zona rural. Após a morte da matriarca, as forças hostis da burocracia do sistema ameaçam separá-lo de sua nova e peculiar família, o que o leva a se aventurar na floresta que pode matá-lo.
Em ambos os casos, o falecimento da matriarca causa um impacto profundo em cada membro da família, mas o evento permeia o filme inteiro, e a trama gira em torno dos personagens concretizarem o último desejo dessas mulheres e lidarem com o luto. A morte é tratada de forma respeitosa, não sendo um evento pontual que serve somente para motivar os homens. A memória das esposas permanece viva, mesmo sem estarem presentes, durante a rodagem dos filmes.
Além disso, Capitão Fantástico e A Incrível Aventura de Rick Baker também dá visibilidade a formas alternativas de organização familiar, para além da concepção de organização familiar proposta pelo capitalismo, visibilizam uma diversidade de arranjos familiares da sociedade contemporânea.
No mais, esperamos ter demonstrado com exemplos práticos de filmes o uso do Fridging Women a partir de Simone e Matsuda e como elas abordam os mesmos temas de formas distintas, mas igualmente críticas, destacando como as personagens femininas são usadas para gerar desenvolvimento emocional nas personagens masculinas. Ambas transformam uma simples listagem de fatos em experiências em meios de resistência e arte, desafiando as normas sociais e culturais, que desumanizam as mulheres, retratando-as como meros dispositivos narrativos. Ambas as autoras destacam pontos que proporcionam uma reflexão profunda sobre a identidade e a luta feminina transformando a morte em um espaço para renascimento e empoderamento, oferecendo uma visão mais complexa e humanizada das obras que consumimos.
Em resumo, ambas as obras servem como críticas poderosas às representações tradicionais das mulheres na literatura e na cultura de modo geral, oferecendo caminhos para histórias mais humanas.
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REFERÊNCIAS SELECIONADAS/LEITURA ADICIONAL
(Clique para ser direcionado!)
> DESEJO DE MATAR. Direção: Michael Winner. Estados Unidos: Paramount Pictures, 1974. 93 min. Filme.
> DIRTY DANCING. Direção: Emile Ardolino. Estados Unidos: Great American Films, 1987. 100 min. Filme.
> EAGLETON, Terry. Marxismo e Crítica literária. Trad. Matheus Corrêa. São Paulo: Editora Unesp, 2011.