Cruella/Walt Disney Studios/Distribuição |
Nem Mesmo os Deuses Vivem Para Sempre – Cruella
O café esfria, o
cigarro apaga e o tempo passa, nisso nem mesmo os deuses vivem para sempre. As
coisas mudam, tudo se transforma. Mesmo gostando ou não do resultado, por
exemplo Cruella DeVil. Marc Davis, animador da Disney, podemos chama-lo
de concept designer de personagens, criou Branca de Neve, Alice e Bambi, foi quem,
partido das ilustrações do livro 101 Dálmatas, transformou DeVil em uma mulher magra, sofisticada e extravagantemente
louca, levando muito mais longe seu amor pelas peles. E este vem sendo a cara
da personagem sempre quando ela se apresenta, porém, algo mudou no filme
Cruella, escrito e dirigido por Craig Gillespie de Eu, Tonya, no elenco temos
Emma Stone de Zumbilândia, Emma Thompson de Os Meyerowitz: Família Não se
Escolhe, Joel Fry de Yesterday e Paul Walter Hauser de O Caso Richard Jewell e
Eu, Tonya. Trazendo inspirações nos filmes do Martin Scorsese, se ele
tivesse um filme classificação doze anos ou livre, com certeza seria algo
parecido com o Cruella, e independente de como adaptaram a personagem em si, é legal
ver a forma como se homenageia de fato um diretor e não o copia como fez
Todd Phillips em Coringa.
Assim como “Na
Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” como disse
Antoine-Laurent de Lavoisier, a indústria cultural faz o mesmo com seus remakes, reboots
e revivals ou também com prequela, sequência e spin-off,
há diversas denominações e formas para se reimaginar uma obra cultural para ela
se manter significativa, relevante e lucrativa, por isso Cruella precisou ser
reimaginada, contudo, quando a escritora Dodie Smith criou a personagem Cruella
DeVil, ainda faltavam duas décadas para o punk nascer, mas a personagem
do filme tem sua composição brilhantemente inspirada na Dama Comandante da Ordem do Império Britânico Vivienne Westwood, estilista desenvolvedora da moda
punk, moderna e figurinista do Sex Pistols. A caracterização de Cruella é um
espetáculo a parte, uma experiencial visual e estética excelente. Designer de
produção é foda, maquiagem foi feita por Nadia Stacey de A Favorita, e o
figurino a cargo da oscarizada Jenny Beavan de Mad Max: Estrada da Fúria com
certeza é o auge do filme. Emma Thompson rouba a cena, devora Ema Stone, mesmo
com uma dinâmica fabulosa entre as “Emas”, porém o destaque nas atuações é Paul
Walter Hauser, o Arraia de Cobra Kai, simplesmente fantástico como Horácio.
Cartaz por Chuck |
Xenófanes (570-480 a.C.), descreveu as divindades gregas com a seguinte frase “Os homens criaram os deuses à sua imagem e semelhança”, e assim como a humanidade muda, evolui e segue indo para onde uma pessoa jamais esteve os deuses nascem e morrem. Por exemplo no surgimento do cristianismo deuses deixaram de existir, posteriormente o cristianismo mudou com a reforma protestante e depois veio o movimento pentecostal e logo em seguida surge o neopentecostal. O próprio deus já não é mesmo de ontem, nem hoje e nem será o mesmo amanhã, pois assim como a humanidade e seus feitos nem mesmo os deuses vivem para sempre, e assim como a palavra do senhor se renova a cada dia a Disney renovou Cruella, e o resultado foi fantástico, apesar de alguns pesares. O filme consegue fazer tudo o que essas revisitações aos clássicos Disney não conseguiram fazer, surpreende pois vai em busca de um upgrade sem deixar de olhar para os clássicos 101 Dálmatas de 1961, Os 101 Dálmatas live-action de 1996 e os 101 Dálmatas o livro de 56, mas nem tudo é novo apesar do frescor, nitidamente as cores deste filme remetem ao filme de 61, porém ao se passar no anos sessenta, uma década crível para Ema Stone ser Glenn Close, a Cruella de noventa e seis, jovem, até mesmo por que Glenn de Albert Nobbs produz esse filme, que não adapta o de 61 nem é prequela de 96, e sim propõem reimaginar a vilã do livro. O roteiro soube transpor pra tela elementos da historia como os cachorros iguais aos seus donos, abandonando o começo um pouco machista e dando sentido do cabelo da protagonista e ao “casaco” de pele de dálmatas.
Dentro da analise
só uma coisa pode incomodar, mas para
mim foi super gostoso, o excesso de
clipes musicais, a trilha sonora casa com acontecimentos do filme e reforça a
efervescência cultural a qual foi a década de sessenta. Deixando tudo muito
frenético até porque a cabeça de Cruella é assim rápida, cheia de pensamentos
indo de um lugar pra outro em segundos, e também, caso esse filme renda uma
inserção na Broadway, aqui temos elementos musicais já direcionando pelo
roteiro. A trilha sonora casando com os acontecimentos em cena são os clipes
como Zack Snyder está fazendo seus filmes, é o uso da trilha para contribuir na
narrativa mesmo de forma um pouco exagerada, é tudo o que Esquadrão Suicida
poderia ter feito naquele famigerado filme. Um diretor pode ser habilidoso
mesmo não sendo visionário.
Se você perguntar
para três pessoas diferentes que creem no mesmo deus, como é o deus delas, você
terá três divindades diferentes, se você perguntar pra mim como é Cruella DeVil
vou descrever uma diferente da deste filme, contudo, o filme traz no fogo o fim
e o renascimento de Cruella em uma belíssima sequência final e a cereja do bolo
fica para a cena pós-créditos do filme, cena plantada no início e no meio do
filme, eu estava tão absorvido com a trama que não vi Anita e Roger chegando, só
reparei quando ouvi uma determinada música tocada ao piano. A criança em mim
sorriu de novo e meus dias tristes por um momento ficaram alegre.
Cruella é a Disney
olhando para dentro e se transformando, pois uma propriedade intelectual parada
é como capital morto, então este filme faz todo sentido sem feito. Não é o
melhor filme do mundo e nem se propõem a isso, a única coisa de fato proposta é
a de construir uma personagem nova num filme não padrão Disney, mas divertindo
como um filme Disney. Todas as muletas, ganchos, clichês e arquétipos constroem
personagens com arcos narrativos que os levam a um lugar. Vi muito aqui da
mitologia da Cruella construída através desses anos e vi muita coisa nova,
mesmo sentindo muita falta do cigarro na piteira a Cruella desta nova geração
esta em boas mãos até surgir a próxima, pois é isso, o café esfria, o cigarro apaga e o tempo
passa, pois nem mesmo os deuses vivem para sempre.
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