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Humanos Não São Árvores, Mas Que Pena - Nomadland

Nomadland/Walt Disney Studios/Divulgação

Humanos Não São Árvores, Mas Que Pena - Nomadland

Humanos não são árvores, humanos tem pés e isso gera aquilo que representa a vida por completo: O movimento.
A vida é, e sempre foi sobre isso. Viver é se movimentar e permanecer em movimento.
A minha primeira memória é de um movimento, de mudança, na real.
Do meu primeiro dia de vida até o meu sétimo ano mudei três vezes dentro de São Paulo, chamada assim em homenagem a um pecador convertido, aos oito anos eu mudei da capital para o interior, uma pequena cidade chamada Quintana, em homenagem ao grande poeta. Aos nove, mudei para outra cidade do interior um pouco maior chamada Marília, em homenagem Tomás Antonio Gonzaga. Aos dez voltei para Quintana, aos onze mudamos para uma cidade chamada Padre Nóbrega, essa não sei quem homenageia, aos onze voltei para Quintana. E finalmente aos quinze em definitivo voltamos para Marília. Dos quinze aos vinte mudei mais três vezes, desta vez dentro do próprio município. Quando aos vinte e seis regressei para São Paulo, lá também mudei algumas vezes, e agora, aos trinta vou para Assis, cidade a qual homenageia um capitão, não o escritor. E antes de me perder no desenvolvimento, é melhor eu ir ao ponto, então, sem mais delongas, quero falar sobre o filme Nomadland.
Uma mulher por volta de sessenta anos, depois de perder tudo embarca em uma viagem pelo Oeste americano, vivendo como nômade, foi escrito e dirigido por Chloé Zhao de Os Eternos e produzido e estrelado por Frances McDormand de Fargo e Três Anúncios Para Um Crime, o filme é baseado no livro Nomadland: Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI da jornalista Jessica Bruder, ele trás relatos da vida de pessoas que optaram por viver o nomadismo após a crise de dois mil e oito. 
O povo sofre, o estado esmaga e a panela de pressão explode ferindo o mais fraco dessa relação parasital, esse é o capitalismo, baby. Ele é feito de crise, e essas crises vem e vão enquanto os dias rodam num turbilhão, enquanto as pernas se distraem, indo e vindo sem um lugar para chegar, mas sempre com um ponto para voltar. Sempre andei viajando, por isso Nomadland me agradou, há muito eu já não sinto meus pés no chão, qualquer destino me faz andar e a jornada de Fern, nossa protagonista, é justamente encontrar esse prazer em viajar, se desprender das amarras do capitalismo e do viver sedentário, mesmo Fern sempre sendo uma pessoa transitória, ela precisa deixar suas âncoras para trás, pois humanos não são árvores.

O filme foi comprado pela Searchligth Pictures em dois mil e dezenove, antes da compra da Fox pela Disney, dito isso, este o “primeiro filme” distribuído pela Disney Company a levar o Oscar de Melhor filme para a toca do camundongo, um Oscar merecidíssimo, aqui Frances McDormand constrói uma atuação visceral trazendo o filme para próximo de si com elementos pessoais em cena e até mesmo morando numa van adaptada. E a forma como Chloé Zhao fotografa com closes e colocando a câmera próxima aos personagens emulando a forma de filmar de um documentário, deixando tudo mais legal e gerando uma interação muito natural, além disso, isso devesse também ao fato dos personagens interagindo com Fern, não serem atores.

Cartaz por Chuck
Na introdução falei de movimento, e esse movimento não foi só de mudanças de casa, mas de viagens também, sabe, dos oito aos quinze eu sempre fiquei oito meses no interior e quatro meses na capital. Era um mês das férias de julho, e três meses das férias de fim de ano: Dezembro, janeiro e fevereiro. E tantas mudanças me fizeram ser uma criança sem raiz, sem sotaque e independente, o único problema, e isso vem até hoje, é que estando em São Paulo eu era “do interior” e quando eu estava no interior eu era “da capital”. E de uma forma mais global e reforçando o fato de humanos não serem Árvores, Chloé Zhao também é movimento, ela nasceu e foi criada em Pequim, depois foi pra Londres, antes de se mudar para Los Angeles. Estudou no Mount Holyoke College em South Hadley, Massachusetts, graduando-se em ciências políticas, antes de estudar produção de filmes na Escola de Artes Tisch da Universidade de Nova Iorque. E ser esse tipo de pessoa sem raiz contribui para a feitura do filme, Zhao consegue imprimir um teor introspectivo e se permite colocar espaços sem diálogos, criando uma poesia visual para nós, os espectadores, podermos viajar com Fern e sentir a liberdade vindo da tela e tocando nosso rosto, isso desde o comentário sobre ver um peixe na cachoeira ou a nadar sem roupa, viajando sem indicar uma direção, nem ao menos onde quer chegar... 

É um fato, humanos não são árvores e apesar disso ser uma pena, possibilita nossas andanças pelo mundo, e também permite o filme dialogar com o desbravamento, com as incertezas da vida na estrada, trazendo planos abertos, cenários semiabandonados quase emulando o cinema de faroeste, contudo, nem tudo são flores, a fita só tem um ponto negativo, ela perde uma grande oportunidade de discutir precarização do trabalho, a diferença entre emprego e carreira fazendo tudo ser muito morno no objetivo de gerar um senso de alteridade  com a poesia construída em tela. Falta criticidade, provocação ou até mesmo se preferir: Tempero. Posso citar vários filmes que construíram a mesma ideia de uma forma mais “temperada”, não falando de nomadismo, mas falam sobre por o pé na estrada, são eles Sem Destino, Na Natureza Selvagem e Na Estrada. Até mesmo Bagdad Café tem lá um tempero a mais.
E apesar de alguns críticos falarem da falta de crítica ao sistema capitalista em Nomadland, numa análise mais rápida pode se dizer até que enaltece, pois sem o sistema não teríamos o subempregos e empregos temporários permitindo, da perspectiva do filme, esse estilo de vida nômade, contudo o filme realmente opta por romantizar o estilo de vida nômade, sem deixar suas dificuldades de lado.
E sentir essa poesia e liberdade é prazeroso…
... Pois humanos não são árvores e isso é uma pena, pois diversas vezes nossa protagonista é convidada a seguir um caminho diferente do seu, e essa atmosfera me fez lembrar da musica Árvores, de uma das bandas mais populares do centro oeste paulista, o Partido dos Poetas Pobres, cujo alguns versos dialogam com o filme...

Nossas vidas não são de ninguém, mesmo que andemos na mesma estrada.
Humanos têm pés e os teus não são meus. 
Nossos passos não encontram ninguém, porém andamos na mesma estrada…
Mas humanos não são árvores, é uma pena. Humanos tem pés e os teus não são meus.
Humanos não são árvores, mas que pena...

Essa musica fala muito sobre seguir seu próprio caminho, assim como no filme, apesar da inércia. Inércia é a tendência de um objeto em resistir as alterações em seu estado de repouso, em outras palavras, um objeto parado sempre tende a permanecer parado. Podemos concluir com uma analise chula da física, veja, um corpo parado tende, por sua inércia, a manter-se parado e a mudança para o movimento é proporcional à força. Força, na física, é qualquer influência a qual modifica o estado de repouso de um corpo. Talvez a sinopse do filme possa levar a acreditar que a crise de dois mil e oito tenha sido a força motriz de Fern, mas o seu ponto de virada chega, a causa da mudança de movimento da personagem, não vou me estender para não dar spoiler, é quando ela consegue deixar para trás o antigo. O apego a impedia de realmente entender aquilo que abraçou.
Mesmo nômade ela estava sedentária.
Quando Fern deixa a Força manda-la para frente, ela finalmente consegue caminhar aliviada, e feliz. Porquê o filme é sobre nossas jornadas, pois humanos não são árvores, e isso é uma pena pois humanos tem pés e os teus não são como os meus, por isso tomamos caminhos diferentes, percorremos estradas que nos afastam uns dos outros, mas isso não é de todo ruim, pois… 
Não existe adeus definitivo, a gente sempre se encontra em outro ponto da estrada.
*


Escute Partido dos Poetas Pobres

Se curtiu o filme, acesse: Nomadland: Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI

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