Tensões e crises mantém as engrenagens do sistema girando, assim como se criou uma tensão em torno de Britney, criou-se uma tensão e um incômodo pela porta não se fechar completamente, surgiu o risco, porém, devemos pensar no risco sociologicamente: O risco surge em sociedades orientadas para o futuro, modernas, podendo o risco cartografar o futuro, sendo o seguro a transferência desse risco.
A porta, o risco, eles definem a modernidade.
A modernidade também se apresenta com o movimento #FreeBitney, dentro do filme a narrativa é construída com uma série de recortes desde o início da infância, passando pelo Club do Mickey, chegando ao sucesso como estrela do pop, o tratamento recebido pelos paparazzi, seu colapso e sua subsequente tutela supervisionada por seu pai, este é o ponto alto do filme, enquanto de forma rápida eles explicam como tutelas são criadas para controlar pessoas incapazes de tomar suas próprias decisões ou são mentalmente incapacitadas, o filme mostra uma Britney trabalhando de forma consistente ao longo de sua tutela. A amiga de longa data e ex-assistente, Felícia Culotta, diz estar perplexa com essa situação “especialmente para alguém capaz e da idade de Britney”. Por acreditarem também neste ponto, os fãs da princesinha do pop criaram o movimento #FreeBritney e indo mais além, acreditam que a cantora está mantida em cativeiro pelo pai e manda mensagens de socorro através de sua conta no Instagram, algumas das entrevistas são de duas mulheres que analisam as publicações da cantora no podcast Britney's Gram. Ao completar doze anos sob a tutela do pai, a popstar tentou pedir na justiça o afastamento dele nessa tutela alegando ter medo. No documentário a ex-executiva de marketing da Jive Records, Kim Kaiman, explica como a imagem da rainha do pop noventista foi cultivada, e descreve Jamie como sendo desconectado da vida da filha. A única coisa dita por Jamie para Kaiman foi “Minha filha vai ser tão rica que vai me comprar um barco” e completa “Isso é tudo que vou dizer sobre ele”. O argumento do filme consegue construir a imagem do pai de Britney como vilão, mas eu me questiono e a mãe da Britney, onde ela está?
São muitas questões e poucas respostas sendo assim como a modernidade, o atual momento de Spears, incomoda como uma porta entreaberta. A modernidade nos é apresentada como uma superação da tradição, gerando a sociedade moderna como justo contraponto à sociedade da tradição. Por exemplo a tradição dos paparazzi foi superada pelas própria exposição dos artistas nas redes sociais sem precisarem de intermediadores ou perseguidores; Por assim dizer, a sociedade moderna tenta banir todas as tradições da antiguidade enquanto o homem se lança na experiência da modernidade, veja, a tradição só existe dentro de uma perspectiva teórica e a modernidade vem para mudar a lógica da sociedade fazendo com que haja uma transição para a sociedade da razão, veja o exemplo, a fé, enquanto tradição, produz a incerteza e a razão, enquanto lógica, produz o seu oposto, a certeza. No entanto, a modernidade que pensamos e construímos não nos dá entrada nem saída, assim como a situação apresentada no documentário não dá respostas o que causa a tensão para com os fãs da artista.
Por que é tão difícil falar com Britney?
Por que há todo um dispositivo repressor para afastá-la do público e dos repórteres?
O filosofo Marshall Berman apresenta a teoria da história da modernidade dividindo-a em três fases, a primeira é onde se começa a experimentar a vida moderna; a segunda vem com ecos da revolução francesa pela Europa, onde se inicia a dicotomia de se viver em um mundo ao mesmo tempo moderno e antigo, florescendo a ideia de modernismo e modernização. A terceira parte se apresenta no século vinte, o processo de modernização se expande pelo mundo abarcando a arte e a cultura, nela gerando o conceito de modernismo. Desta realidade derivaria a perda da própria modernidade, o moderno e a tradição atuam junto como paradoxos na sociedade, desta forma a modernidade surge dentro de um conceito de tempo e se anula nele conforme o indivíduo toma consciência de temporalidade.
A modernidade inventa o tempo e ela mesma rompe com ele.
A própria sociedade moderna gera seus paradoxos, por exemplo, criando o culto a celebridades e sua profanação.
E antes de parecer só uma divagação sem propósito quero ressaltar como a trajetória de Britney é altamente paradoxal e cheia de tensão, e são justamente esses paradoxos que nos colocam na sociedade do risco, como a porta gerou uma tensão e incômodo para o professor, a modernidade faz o mesmo com a sociedade. Exemplifico da seguinte forma:
— Na modernidade contemporânea temos o rompimento do pensamento de que as relações humanas seriam binárias, apenas entre homem e mulher. Na sociedade moderna nos deparamos com as pessoas se relacionando com os do mesmo sexo, o homoafetismo, entretanto, no contra ponto a essa transformação do pensamento social, há uma manutenção de tradição: O casamento, uma tradição religiosa. A religiosidade se mantêm inalterada dentro da perspectiva de tempo e temporalidade, nisso temos um levante de ódio contra pessoas homoafetivas na sociedade moderna, veja, a partir do momento que a modernidade faz o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo seja socialmente aceito, a manutenção da tradição religiosa faz estas pessoas entrar em conflito, gerando o risco. Lembra-se do beijo do início do texto? Bem, por isso o beijo entre Britney e Madonna chocou tanto.
Desde quando pensamos a modernidade, concebemos uma sociedade moderna, capitalista e burguesa e dentro desta sociedade os paradoxos geram o caos, e o caos transfere os riscos, onde, por sua vez, transferem as riquezas, o multifacetado, Karl Marx quando descreve a sociedade no Manifesto Comunista nos dá base para enxergar esse movimento dos paradoxos da modernidade pois “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar sua posição social e suas relações”. O excerto trata sobre os impactos do advento do capitalismo na sociedade e em seus valores, ele surge e se fortalece na modernidade e nas suas tensões, tal qual a transformação da modernidade, a transferência do risco e as relações interpessoais; O capitalismo é oriundo da modernidade e sendo a modernidade um movimento paradoxal, dialético, criando sempre contrários e constantes nessa sociedade. Como disse Berman, a modernidade une a espécie humana, porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: Ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança.
Como o professor descrito no início do texto, assim como os fãs que pedem um desfecho da situação de Britney, estamos diante de uma porta que não fecha e nem se mantém aberta, por isso outro texto que vale citar é “Devemos Fazer Tabula Rasa do Passado?” onde Jean Chesneaux aborda os caminhos e descaminhos percorridos na prática do ensino e pesquisa da história em várias vertentes historiográficas existentes. Ele põe “em xeque” o próprio objeto da história, a “História”, porém, vejo que seu texto vem diretamente ao encontro da ideia que tento apresentar aqui. Segundo Chesneaux, a História é usada como forma de controle de uma classe dirigente. Ela é moldada através dos interesses destes setores que buscam obter vantagens sobre o resto da população, como feriados, comemorações, que são maneiras destes imporem o passado que desejam tornar popular. Desta forma, buscam alienar a população sobre fatos que aconteceram, escolhendo e controlando o que deve ser lembrado por todos, o que no texto diz que impede o real estudo dos historiadores e nos dá apenas uma visão distorcida do acontecido, isso é, diante dos paradoxos da modernidade temos ainda um mecanismo que seleciona os processos que geram as crises apresentadas diante de nós, por isso o caso apresentado em Framing Britney Spears chama tanto atenção pois nitidamente há algo errado, há um controle da informação e da desinformação sobre ela.
A nossa sociedade está marcada pela intensa valorização do que é dito nos jornais, nos tabloides e nas Fake News, Chesneaux diz que a história em si, os fatos, não mudam nada, quem muda isso são as pessoas, precisamos mudar o presente, ou seja, nossa relação com o passado precisa ser ativa e não passiva, e o passado tem que ser usado para mudar o presente. Erros cometidos e experiências bem sucedidas devem servir como uma forma de evolução, atos que através da observação de suas consequências podem ser repetidos ou não.
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US Weekly de 2 de setembro de 2002 |
Nosso presente está sendo usado como forma de esquecermos o passado, o que, por sua vez, nos impede de criticar o presente. O que aconteceu anteriormente no processo é estudado por uma minoria que atende aos valores da classe dirigente. Os detentores do poder manipulam também o presente, documentando somente parte dos fatos, ou como eles querem que os fatos sejam vistos. Esse presente manipulado é a história que será estudada no futuro, a história contada por aqueles que têm interesses em somente alguns elementos dela, assim como Justin Timberlake manipulou parte de uma narrativa e a usou para alavancar a carreira, o filme argumenta, en passant, como o cantor usou como arma sua mágoa para com Britney para atacá-la publicamente, apesar de não aprofundar como ele foi um enorme babaca com ela, talvez temendo um possível processo. A trajetória Britney nos mostra como elementos de manipulação, e cada vez com menor dificuldade, se mantém.
E falando em crises o filme observa que Spears pediu publicamente que seu pai fosse definitivamente afastado de seu papel como tutor, e mostra clipes de seus fãs no movimento #FreeBritney, exigindo que os tribunais atendam aos desejos da cantora. Pouco depois do documentário ter ido ao ar, um juiz rejeitou as objeções de Jamie Spears em relação ao acordo de cotutela, talvez, pois, ao final da fita a porta continuou entreaberta.
Por mais que o documentário sugere que desde criança Britney queria ser uma grande artista, uma estrela, o quanto isso é um desejo dela ou imposto pelos pais? Quando eu era criança, não importava a dificuldade financeira da família, eu queria ser um Power Ranger.
Traçando o caminho percorrido pela sociedade moderna através da história, a relação estabelecida entre sociedade e modernidade é a mesma entre o professor e a porta entreaberta, entre Britiney, seu pai e os fãs; Ao fim do filme é mostrada uma lista com os nomes das pessoas contactadas para que contribuíssem com o filme, mas que não o fizeram, incluindo a família de Spears e a própria Britney, mas não se sabe ao certo se ela recebeu o pedido ou se apenas declinou do convite, a fita termina explorando a tensão sem dar uma resposta, para que assim a crise permaneça, e se possa vender mais notícias, veja, sendo a modernidade a tragédia do desenvolvimento que permite vislumbrar incríveis horizontes ao mesmo tempo em que cria uma força que desmancha tudo que é sólido no ar, como uma autodestruição inovadora cheia de paradoxos, assim como Britney Spears não sendo uma garota e nem uma mulher ainda, por conta destes paradoxos a modernidade é uma porta entreaberta a ser analisada para que possamos ser agentes transformadores da nossa própria sociedade, ativos e críticos dentro da própria história para quando olharmos para a modernidade, possamos abri-la ou fechá-la definitivamente.
Assim como a modernidade o atual momento de Britney Spears é uma porta entreaberta e como fã, que se apaixonou pela diva pop ainda no início da adolescência ao assisti-la no programa ClipMania de Sabrina Parlatore, espero vê-la mais forte do que ontem e sem nada em seu caminho, torço para que em breve Britney possa enfim estar livre para fechar ou abrir esta porta e dar um basta nessa história.
#FreeBritney